quinta-feira, agosto 30, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 54

Aquilino não se fica, no seu ensaio, pelo riquissimo acervo de informações e comentários sobre Cervantes, o seu tempo, a sua vida, os seus livros e personagens que criou (de que D. Quixote e Sancho são universais e imortais), também trata (e às vezes não muito bem...) outros que dedicaram tempo e páginas a Cervantes e à sua obra. Como Unamuno, que há pouco foi lembrado por também ser Miguel como Cervantes e serem, os dois, "padrinhos" de um outro (falso) Miguel, o Torga.

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Unamuno não temia entrar em contradições porque para ele uma das formas dos entendimentos superiores era o prazer de rectificar-se. Apenas não são susceptíveis de cometer a rectificação os espíritos dogmáticos e portanto tacanhos ou medíocres. Assim, apropósito de D. Quixote, ora lança o anátema: - Morra D. Quixote, e viva Alonso Quixano o Bom! - como virá, mais tarde, neste livro, a bater no peito, repeso do que dissera: - Perdoa-me senhor D. Quixote! Pega-me a tua loucura, pois que sem ti, sem os homens iguais a ti, cavaleiros do ideal, que seria do mundo! Não, viva D. Quixote! D. Quixote maltratado, D. Quixote morto!

Para um artista, Alonso Quixano tem interesse muito aleatório. Este cidadão sensato, que corre as lebres, possui uma livraria recheada de velhos autores, vai à missa, procura trazer igualmente em dia as contas da lavoura e da alma, interessa mais o sociólogo. É nele que repousa a saúde e o bom funcionamento da República. O artista prefere-lhe o maníaco, o original, o excêntrico. Mas à civilização, à Espanha integrada na Europa ou que terá que integrar-se na Europa, ao mundo, poderá haver dúvidas que lhe caiba hesitar e não tenha de decidir-se a extirpar como um cirro este fátuo vivente? Em nome, pois, da paz e do progresso teremos que clamar com Cervantes e o Unamuno da primeira leitura: Viva Alonso Quixano o Bom, e morra D. Quixote! É verdade que um espanhol sem areia não presta; não é espanhol castiço; falta ao quilate. Por outro lado, certas ideias, para que triunfem, têm de enlambuzar-se de loucura. É como certas drogas que a farmacopeia ministra em granjeias cor-de-rosa ou pílulas douradas. Mas o mundo novo tem de fazer-se em equilíbrio e com todas as higienes.

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Desculpem lá. é de perder a respiração. Começa logo por (me) lembrar o sempre lembrado Bento de Jesus Caraça e aquela frase que está no seu busto no ISEG, na R. Miguel Lupi "não receio o erro porque estou sempre pronto a corrigi-lo", que me esforço para que me acompanhe a par e passo. Depois, a Espanha a integrar-se na Europa (!), depois... bom, passo É demais!


o pretenso retrato de Cervantes
(ou será de Alonso Quixano, o Bom?)

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