sábado, março 28, 2009

Visitas e viagens a livros e livrarias

Foramos a Caldas da Raínha. Num dia 16 de Março. Porque!
Entre outros lugares, à procura da Rua do Cais que já não se chama rua do cais. Mas ela encontrou o que queria encontrar. Lugares, referências. A casa em que, o jardim onde, aquele sítio de.
Depois, fomos à livraria que sempre encontráramos fechadas, por só por lá passar a dehoras, e onde víamos, na montra, os livros e o gato. Dormindo como um gato.
Foi tudo tão bom. Mesmo quando acompanhado de tristezas irreparáveis, de fundas nostalgias.
Ela o disse no seu blog. No seu Quarteto de Alexandria. E eu comentei.

Visitas e viagens a livros e livrarias - 1

Numa noite em Lisboa, depois de uma viagem de eléctrico do Chiado ao miradouro de Santa Luzia, entrámos numa livraria.
E por ali ficámos, naquele lento deambular entre estantes e escaparates, folheando aqui páginas queridas, descobrindo ali edições desconhecidas ou novas, admirando capas e ilustrações ("olha!, anda aqui ver esta nova do...").
Iamos a uma apresentação de Onde estava vossa mercê.., e chegáramos antes. Em visita antecipada. Alguém, por detrás do balcão, observava os visitantes nocturnos e prematuros, Silenciosa, discreta e atentamente depois das civilizadas boas noites. Mas, inevitavelmente, passámos à fala, à conversa. Sobre livros, livrarias. Sobre vidas.
E veio uma oferta. A pauta do Fado do Aljube em forma de tango (do Aljube logo ali abaixo, dos "curros", e da "enfermaria geral", e da "sala dos operados", e de tantos companheiros e camaradas de Maio de 1963...), fado (para bandolim ou violino) cujos versos completos custariam, à altura, um tostão. Porque os que estão na pauta não são completos. Há trechos cuidadosamente retirados. Por subversivos...
Que bela oferta! De quem mantém viva a fabula urbis, en Lixboa sobre lo mar...

domingo, março 15, 2009

Tempo de leituras e leituras do tempo

“Não tenho tempo para ler”, dizem todos (ou quase). Uns justificam “até gosto de ler, mas não tenho tempo…”; outros acrescentam, peremptórios, “nem gosto!”; ainda há os que se ficam nos meios-termos “não tenho muito o hábito… umas vezes gosto, outras não!”.
Há que fazer alguma coisa, e algumas coisas estão a ser feitas. Não as suficientes.
Cá por mim, ganhei o vício. Bom. A boas horas. Acho eu...
Como escreve Daniel Pennac (mais ou menos assim) em “Comme un roman”, na vida deste tempo em que não há tempo para ler, cada tempo de leitura é tempo que se acrescenta ao tempo… de vida.
Estou a ler dois livros. De dois Prémio Nobel. De 2008. Le Clézio, de literatura, P. Krugman, de economia.
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Estou a gostar do Le Clézio. Não tinha lido nada deste autor. Ah!, a importância do Prémio Nobel!
Gostei logo da capa. E irritou-me o facto, já muitas vezes verificado, da ficha técnica não indicar o(s) autor(es). Porquê? Parece-me falha grave.
Depois, gostei muito da escolha das frase escolhidas para as páginas do "oitavo de entrada". Da dedicatória Às crianças capturadas (terá sido a melhor tradução?); e da canção peruana que explica o título e faz de frontespício do livro Estrella errante/Amor passajeiro/Sigue tu camino/Por mares y tierras/Quebra tus cadenas.
Estou lendo. Devagar. Saboreando. No tempo possível e acrescentado ao tempo de vida.

quarta-feira, março 11, 2009

Manuel da Fonseca

Companheiros destas moengas (e de outras, e de outras) lembraram-me que Manuel da Fonseca, o "nosso Manel", morreu num dia 11 de Março (ah! quantas coisas para lembrar a 11 de Março...).
Dele muito recordo e, de vez em quando - muita vez... - redigo aquela "graça" que ele, com o seu falar tão seu, dizia "isto de viver é muito bonito... acaba é mal!".


Mas, por aquilo que nos deixaste, tu não acabaste, Manel. E ainda bem que viveste. Assim.

E aqui fica o final do Mataram a tuna

Ó meus amigos desgraçados
Se a vida é curta e a morte infinita
Despertemos e vamos
Eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
Como era a Tuna do Zé Jacinto
Tocando a marcha Almadanim!




domingo, março 08, 2009

8 de Março - "A Condição da Mulher Portuguesa"

Em 1967, a Editorial Estampa lançou uma colecção a que chamou Polémica e de que entregou a direcção a Urbano Tavares Rodrigues. Para o 2º volume da colecção promoveu, em Novembro de 1967, um colóquio sobre a condição da mulher portuguesa para ulterior publicação, e convidou 4 escritores (Agustina Bessa Luís, Augusto Abelaira, Isabel da Nóbrega, Natália Nunes) uma jurista, Maria da Conceição Homem de Gouveia, uma socióloga (também escritora), Isabel Barreno Martins, e um economista, o responsável deste “blog” e “post”.
Tinha então 31 anos, e o convívio com escritores de que era leitor foi, para mim, experiência muito interessante.
Neste 8 de Março de 2009, reproduzo, com ligeiríssimas correcções, o começo da minha intervenção:
Ao aceitar o convite para participar neste debate, se o fiz com muito prazer, desde logo, também, me atribuí tarefas de sacrifício.
Primeiro, porque sentindo que devo apresentar os áridos números, sei que isso me pode tornar no desinteressante estragador de troca de impressões vivas, sobre temas vivos. Paciência! Tentarei pôr gente dentro dos números, adubar a sua aridez com clara significação humana. Depois, e este já não é um problema nosso, mas só meu., muito gostaria de aproveitar quem aqui está encontrado para ser mais a conversar sobre a Mulher, sobre a Mulher e o Homem, sobre o amor possível. A conversa-prazer só facultada a alguns de nós que, por isto ou por aquilo, têm o privilégio de dispor das fatias do bolo património-sócio-cultural que o ser humano vem aumentando desde que começou a sê-lo. É que a disponibilidade para a realização a dois, o tema mãos dadas, “a semente que tu és e a terra que eu sou”, tudo isto nos apela para o conversar-desfrute. E então convosco!…
Mas vamos às tarefas auto-atribuídas. Lá fora, aqui ao lado, há frio, há fome, há quem apanhe chuva(*).
Por uma questão de método, entendo dever estudar-se o problema da condição da mulher por uma forma paralela ao esqueleto de uma formação social. Porque, na minha perspectiva, a condição da mulher resulta, fundamentalmente, de condicionalismos sociais, resulta de um fundo histórico.
Condicionalismos sociais, fundo histórico, que têm as suas raízes na relação Ser Humano-Natureza, no esforço do trabalho dos seres humanos relacionados entre si, para a progressiva libertação das condições impostas pela natureza.
Teríamos assim que dividir a abordagem do problema em estratos:

  • A mulher como ser biológico, na sua relação com a natureza;
  • A mulher como animal social, na forma como o ser humano se organiza nessa relação;
  • A mulher na consciência social, na representação que dela se tem (e que ela tem de si), nas instituições que traduzem , e tantas vezes forçam, a realidade da relações sociais e que traduzem, e tantas vezes forçam, o equilíbrio das forças sociais em antagonismo.

Vou deter-me, na minha participação, nos dois primeiros aspectos, mas afirmando, como definição fundamental, que nada é estanque.

Sobre a mulher na consciência social quero, no entanto, deixar dois apontamentos. Todo este interesse, todo este levantar a luva para discutir a condição da mulher reflecte que estamos perante um desequilíbrio. Existe, na base das relações sociais, uma transformação que, ao nível superstrutural, não é acompanhada em correspondência.
A literatura, as artes dão-nos esse desajuste. Os códigos civis mostram-nos (ou não nos mostram?) que as situações legais não servem as situações de facto. E, depois, o resultado disso: páginas femininas em profusão e a ganharem dimensão social, pega-se na bibliografia económica e a mulher a aparecer em muitas obras. A mulher (e a sua condição social) em foco. Em causa uma discriminação que, pessoalmente tanto me violenta como a resultante da pigmentação da pele.
Espero, com os números que vou apresentar, ilustrar o que foi dito ou for dito, fornecer elementos úteis a um melhor aperceber da real situação da mulher e, depois, libertar-me para a troca de impressões não quantificada mas, aproveitando números, valorizada. (…)

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(*) Nesse fim de dia e começo de noite de 1967, um temporal caíu sobre Lisboa provocando inundações com dimensão e consequências verdadeiramente dramáticas. Ao sair do debate, estava a cidade e os arredores em grande agitação, e destaco a solidariedade que então se organizou e em que os militantes do PCP, na clandestinidade, tiveram relevante intervenção.

segunda-feira, março 02, 2009

As andorinhas e o amor em matéria de ensino



Pennac! Acabado o livro, há uns dias, continuo "sob influência"... À medida que o tempo passa, depois do saborear, apetece voltar a ler. E a ler volto. Apetece traduzir. E traduzo. O intraduzível! Em texto livre e, obviamente, sem a qualidade literária do que traduzido é. Mas vale a pena. Isto digo eu... E até porque as andorinhas estão a chegar.


As andorinhas e o amor em matéria de ensino

Adormeci tarde, sobre uma página deste livro. Acordei apressado em o continuar. Preparo-me para saltar da cama mas uma subtil barulheira trava-me. Há um desaustinado voajar à volta da casa. Pipilares e mais pipilares, ao mesmo tempo intensos, constantes e contidos. Ah! pois… é a partida das andorinhas!
Todos os anos, por esta altura, elas marcam encontro nos fios da electricidade. Campos e bordas das estradas cobrem-se de despedidas, como numa imagem habitual, para fotógrafo amador. Preparam-se para migrar É a euforia dos reencontros e das partidas. As que ainda voltejam no céu pedem autorização para se alinharem com aquelas já pousadas nos seus lugares nos fios, excitadas pelo desejo de horizonte. Arrumem-se, vá, toca a andar! Já vai, já vai! Há um frenesim de voos de chegada, de voos de falsas partidas, de tudo a postos, aos seus lugares... Uma agitação que vem do norte, em batalhões hitchcockianos, rumo ao sul.
Ora, essa é precisamente a orientação do nosso quarto: norte, sul. Uma clarabóia na parede virada a norte, uma dupla janela na parede virada a sul. E todos os anos o mesmo drama: perturbadas pela transparência dessas aberturas envidraçadas, e em frente uma das outras, um bom par de andorinhas atiram-se de cabeça contra a clarabóia. Por isso, nada de escrita esta manhã. Abro a clarabóia norte e a dupla janela sul, e mergulho na nossa cama. E ali ficamos nós ocupados por uma manhã em observação de esquadrilhas de andorinhas a atravessarem este nosso esconderijo, de repente silenciosas, intimidadas talvez por estes dois corpos alongados que as vêm passar em revista.
Só que, de um lado e de outro da dupla janela, ficam dois estreitos e verticais pedaços de parede. O espaço aberto é largo entre as duas molduras das janelas que dão passagem à vontade a todos os pássaros do céu. Mas… nunca falha, há sempre três ou quatro idiotas que chocam com a parede entre as janelas. São as desalinhadas, as que não seguem o caminho direito e aberto. As que passam ao lado, batendo as asas.
Poc! Ei-las caídas no tapete.
Então, um de nós dois levanta-se, pega na aturdida andorinha na concha da sua mão – não pesam nada, esses ossos cheios de ar –, espera que ela acorde, e encaminha-a a juntar-se às companheiras. A ressuscitada, ainda um pouco grogue, ziguezagueia no espaço reencontrado, depois pica a fundo para o sul e desaparece no seu futuro.
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E pronto!, a minha metáfora vale o que vale mas é a isto que se assemelha amor em matéria de ensino, quando os nossos alunos voam como pássaros loucos: fazer sair do coma escolar uma caterva de desorientadas andorinhas.
Nem sempre se consegue, falha-se por vezes no apontar do rumo, algumas não acordam, ficam no tapete ou partem o pescoço na vidraça mais adiante; e permanecem nas nossas consciências como buracos de remorsos onde repousam as andorinhas mortas no fundo do nosso jardim, mas temos sempre de tentar, nós temos tentado. Eles são os nossos alunos.