terça-feira, julho 28, 2009

O fantasma sai de cena... porque já não pertence a este lugar - 8

Vou terminar!
Tenho de passar a outro livro, a outras leituras.
E fecho estas notas sobre um livro que me impressionou com um apontamento sobre um trechoparágrafo aparentemente marginal mas que saboreei, com um gosto agridoce, mais acre que doce...

"(...) Estávamos sentados junto à vitrina da cafetaria e víamos as pessoas que passavam na rua. No momento em que levantei os olhos, cada uma falava ao seu telemóvel. Porque é que aqueles telefones pareciam corporizar tudo aquilo a que eu tinha de fugir? Eram um progresso tecnológico inevitável e no entanto, na sua abundância, eu via até que ponto me tinha afastado da comunidade das almas contemporâneas. Já não pertenço a este lugar, pensei. (...)"
O fantasma sai de cena!
(Qual deles... ou quais deles?)
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segunda-feira, julho 27, 2009

O fantasma sai de cena? ... isto acaba é mal! - 7

Morrer? Estou-me nas tintas... envelhecer é que é uma chatice! Esta era a forma (traduzida livremente) que Brel encontrou para dizer o que sentia, o que sentimos quando a idade avança.
A vida? Ah, é uma coisa muito, muito boa... acaba é mal, dizia (mais ou menos assim) o Manel da Fonseca com o seu modo alentejano de seroar.
E o Philip Roth escreveu este Exit - o fantasma sai de cena para dizer o mesmo, ou parecido, como se fossem outros a dizê-lo lá pelo meio das páginas.
Veja-se só uma dessas páginas, a 258:

«De forma humorística e invulgar - era assim que Georges e os seus amigos se imaginavam a morrer no tempo em que ainda não acreditavam que isso lhes iria acontecer, no tempo em que morrer aera apenas mais uma ideia com que se podia brincar. "Ah, e há também a morte!". Mas a morte de Georges Plimpton não foi humorística nem invulgar. E também não foi nenhuma fantasia. Não morreu envergando o equipamento às riscas no Yankee Stadium mas sim em pijama durante o sono. Morreu como todos nós morremos: como um perfeito amador.»
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Morremos todos como uns perfeitos amadores?! Genial, sr. Philip Roth..

sábado, julho 25, 2009

os já-não e os ainda-não, segundo o fantasma que sai de cena - 6

Das notas que acompanharam e seguiram a leitura de Exit - o fantasma sai de cena, muitas ficam pelo caminho. Outras ao caminho voltarão. Ou não.
Acabo de saltar uma série delas, mas não passo das nascidas na página 250. Até porque retomam a discussão entre Zuckerman e Kliman cento e cinquenta páginas passadas, e em que, pelo meio, algumas outras "conversas" (entre os dois, e as ficcionadas dentro da ficção entre ELA e ELE) foram sendo deixadas para outra altura.
Na página 250, Roth, ou Zuckerman por ele, "confessa"

«(...) eu sentia-me - contra minha vontade - cada vez mais pequeno à medida que crescia em exuberância a demonstração de presunção de Kliman. Mailer já não anda à procura de briga e mal consegue andar. Amy já não é bela nem está na posse da totalidade do seu cérebro. Eu já não tenho a totalidade das minhas funções mentais, nem a minha virilidade, nem a minha continência. Georges Plimpton já não está vivo. E.I.Lonoff já não tem o seu grande segredo, se é que esse segredo alguma vez existiu. Todos somos agora "já-nãos" enquanto a mente exaltada de Richard Kliman acredita que o seu coração, os seus joelhos, o seu cérebro, a sua próstata, o esfincter da sua bexiga, o seu tudo é indestrutível e que ele, e só ele, não está nas mãos das suas células. Acreditar nisso não é grande façanha para quem tem vinte e oito anos, para mais se sabem que que são tocados pela grandeza. Não são "já-nãos" em perda de faculdades, em perda de domínio, vergonhosamente desapossados de si mesmos, marcados pela privação e subjugados pela rebelião orgânica que o corpo desencadeia contra os velhos; são os "ainda-nãos" que não fazem ideia da rapidez com que as coisas mudam de rumo."

Os «já-nãos» e os «ainda-nãos»! Lucidez ou desespero assumido com crueza, com brutalidade?
Razão terá quem, sem deixar comentário no "post" anterior, me disse do seu desacordo quanto a serem as linhas divisórias entre a ficção e a realidade os caboucos, as traves mestras, os tijolos do romance, ripostando que o livro é sobre a velhice e é o livro de um velho. Talvez... mas o romance, também pelo menos, e à volta da velhice e da lucidez - se lucidez é - de um homem de 71 anos, é um extraordinário exercício de contrabando entre os aléns e os aquéns da fronteira do que é o autor a contar-se e a ficção que o escritor constrói. Sem nunca desligar o romance da realidade que envolve o que escreve e o que lê.
Sobretudo para um leitor próximo, na idade e não só, de quem escreveu, não há dois mundos, o da realidade e o da ficção que é o romance, mas apenas um só com fronteiras que cada qual - o que escreveu e o que lê - coloca onde mais reconhece a realidade que vive e melhor saboreia o romance que é obra criada por um grande escritor.

sexta-feira, julho 24, 2009

A que cheira o "fantasma" que pretende(ia) sair de cena? - 5

Quais as fronteiras? Para além da linha divisória entre o real e a ficção, onde colocar, na ficção, a fronteira entre o que é ficcionar a realidade e o que é "chafurdar no lixo" que se diz ser investigação e se apresenta - e publica - como biografia de gente pública, de um escritor em concreto, com o pretexto de lhe fazer justiça, de "repô-lo no lugar que ele merece", isto é, de o tirar da ausência de notoriedade, da morte com esquecimento da obra?
Essas linhas divisórias, essas fronteiras para além e aquém de cada um dos lados, são, em Roth, os caboucos, ou as traves mestras, ou os tijolos de Exit - o fantasma sai de cena.

Página 102, pergunta Kliman a Zuckerman: «Porque insiste em trivializar aquilo que eu me proponho fazer? Porque tem tanta pressa em amesquinhar aquilo que desconhece por completo?»
E continua o diálogo, azedo e sem ponto de encontro:
«"Porque o sórdido chafurdar no lixo que se apresenta como investigação é certamente a mais baixa das fraudes literárias"
"E o chafurdar desenfreado que se apresenta como ficção?"
"Agora é você que me caracteriza a mim?"
"Estou a caracterizar a literatura. Também ela alimenta a curiosidade. Diz que há qualquer coisa para além da imagem que queremos dar - chamemos-lhe a verdade do eu. Não estou a fazer mais nem menos do que aquilo que você faz. Do que faz qualquer ser pensante. É a vida que alimenta a curiosidade."»

Sem ponto de encontro... Com uma ruptura. Uma das rupturas que se encontram nas páginas do romance.

«"E, sendo assim, pensei, ao desafiar a juventude e a o expor-me a todos os riscos de uma pessoa desta idade que se envolve com pessoas daquela idade, não posso deixar de acabar cheio de sangue, uma chaga que é um alvo grande e gordo para jovens ignorantes, estuantes de saúde e armados de tempo até aos dentes. "Estou a avisá-lo, Kliman - deixe Lonoff em paz."
(...)
"Você tresanda", berrou-me ele, "você cheira mal! Volte de rastos para o seu buraco e morra lá". Em passo atlético, ágil e solto, arrancou, lançando por cima do ombro musculoso: "Você está a morrer, velho, não tarda que esteja morto! Cheira a podre! Cheira a morte!"
Mas que sabia um sujeito como Kliman sobre o cheiro da morte? A única coisa a que eu cheirava era a urina.»

Para simplificar e ironizar: conflito de gerações. Ou... a partir de que idade se sabe a que cheira a morte?

Exit - ou... a jogar a macaca? - 4

No autêntico "jogo da macaca" de que Phillip Roth fez um romance (ou o contrário), ou o romance que Phillipe Roth me deu a ler e que eu, este leitor que sou, com a idade e tanto mais que nele encontrei - no e com e contra o autor -, transformei em "jogo da macaca", em que as linhas divisórias são apenas uma que se desenha ao longo da(s) história(s). E essa é a "linha intransponível que separa a ficção da realidade" transposta "(n)a confissão atormentada sob o disfarce de um romance".


Aqui vai mais uma malha, retirada da página 72:

"E alguma vez houve eleições como as que opuseram Gore a Bush, resolvidas por vias traiçoeiras, tão perfeitamente calculadas para acabar com o último e desgraçado vestígio de ingenuidade de um cidadão cumpridor da lei? Nunca tinha estado propriamente afastado dos antagonismos da política partidária, mas agora, depois de viver fascinado pela América durante quase três quartos de século, tinha decidido não continuar a deixar-me dominar de quatro em quatro anos pelas emoções de uma criança - as emoções de uma criança e a dor de um adulto. Pelo menos, enquanto estivesse refugiado na minha cabana, onde podia continuar na América sem que a América voltasse a entranhar-se em mim. Além de escrever livros e me embrenhar uma vez mais, a última, nos primeiros grandes autores que li, tudo o resto que outrora foi da maior importância deixou pura e simplesmente de importar, e eu eliminei uma boa metade, se não mais, dos vínculos e interesses de uma vida inteira. Depois do 11 de Setembro cortei definitivamente com as contradiçoes."

E esta fala continua. E continuá-la-ei...
Agora, agora mesmo, o que quero é pôr tudo de pantanas. O livro, chatear-me com o autor, obrigá-lo a re-escrever, a rever a sua "biografia atormentada". Mas ele acaba por o fazer. Porque as contradições nunca se cortam definitivamente estando em nós enquanto vivos estivermos, Como o fantasma, ao querer sair de cena, jogando à macaca da vida, o comprova.
E tenho ganas, agora, agora mesmo, aqui deste meu refúgio, pegar neste texto, substituir Gore e Bush por Vitor e Paulo e... desancar.

quinta-feira, julho 23, 2009

Pode o fantasma sair de cena? - 3

O escritor, ou seja, o homem com 71 anos, mais ano menos ano, diz que (e o leitor, ou seja, este homem com pouco mais - por agora... - de 71 anos, transcreve ou sobre-escreve):
"Era agora avassaladora a vontade de cortar com a ilusão vã e tola da regeneração, ir buscar o carro à garagem da esquina e partir a toda a velocidade em direcção ao norte e à minha casa, onde podia rapidamente voltar a pôr as ideias no seu lugar, sob as exigências transformadoras da ficção em prosa, em que não há espaço para os sonhos doces. O que não tens não te faz falta - tens setenta e um anos, e isso é que conta. Os dias de orgulho e afirmação pessoal já lá vão. Pensar de outro modo é ridículo." (pág. 48)
Depois, como que a procurar auto-convencer-se, desenvolve, ou desenrola, ou glosa, o tema (obsessivo?!) até à página seguinte (49)
"Como alguém que noutros tempos fora intensamente receptivo (e interventivo, acrescenta o leitor por sua conta e seu risco próprios) e na última década se tinha transformado num discreto solitário, tinha perdido o hábito de ceder a qualquer impulso que me atravessasse as terminações nervosas,"
e termina a elucubração comprovando, contraditoriamente, que nunca a saída de cena é definitiva, nem mesmo quando o ridículo levaria a obrigar a que definitiva se tornasse, enquanto o homem se mantiver, em pouco que seja do seu corpo, fiel ao que sempre foi, pelo que
"e no entanto nos últimos poucos dias tinha chegado àquela que talvez viesse a revelar-se a mais insensata das resoluções repentinas que alguma vez tinha tomado".

E assim arranca e se contrói a ficção, o romance.

terça-feira, julho 21, 2009

O fantasma sai de cena? - 2

Não sei se Lonoff existiu ou é só ficção de Roth. Como não sei se Zuckerman é Roth, a sua realidade ou a sua ficção.
Também não sei, nem quero saber como Kliman será capaz de tudo fazer para conseguir saber, se Roth tinha 71 anos quando escreveu Exit, tinha sido operado à próstata e usava fraldas dada a incontinência. Ou se o fantasma que sai de cena, segundo Roth, é ele próprio, se é Zuckerman ou se é outro de tantos fantasmas (de Roth e de quem for o leitor) que povoam o livro. E Jammie, e Amy, e Billy, quem são?, ou que realidade foram para serem a ficção que são?
Sei, ah! isso sei, que existiram Hemingway, e Conrad, e Plimpton, e Hawthorne, e igualmente os Bush, e as eleições, e o 11 de Setembro, e todo o ambiente que é, também, o romance. Ah!, e acabo de saber que existem a 71th., e a First Avenue (andei por lá , há dias... pus lá os meus pézinhos).

E estou como ele diz na pág. 38 (quem?, Zuckerman ou Roth, ou os dois?) "Fiz o que fiz - é tudo o que uma pessoa sabe quando olha para trás. Passei pelo que passei levado pela inspiração e pela inépcia que eram minhas - a inspiração era a inépcia - e o mais provável é que agora esteja a fazer o mesmo." E tanto o estou que, agora!, sou eu que estou a fazer o mesmo. Isto é, a subscrever, ou, melhor, a escreversobre.

domingo, julho 19, 2009

Há muitas maneiras de sair de cena - 1

25 de Abril, último "post". Maio. Junho. 20 de Julho. Cabo Verde, Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), Nova Iorque.
E este "blog" de leituras ao abandono. Por terem parado as leituras? Não. A minha vida é feita de leituras, embora seja certo que muitas tarefas (ah!, a crise, ah!, a campanha das "europeias") e muitas viagens terão tornado menor o ritmo de leitura e/ou esmorecido o estímulo a transcrever impressões de leitura. Até que... Exit - o fantasma sai de cena me tomou de assalto.
(edições Dom Quixote)

Phillip Roth é um autor que se (me) impôs. Quando não se pode ler tudo, há autores de que não se pode perder um livro. Tenho alguns. Este Roth, Pennac, Saramago, Rubem Fonseca. Gostos... embora de muitos outros goste muito.
Já aqui pelas vizinhanças se falou deste livro. E adequadamente. Adequadamente ao livro, ao autor, a quem o leu e comentou. Em quartetodealexandria.blogspot.com. Sem fôlego!
"De uma crueldade fria e impiedosa. De uma lucidez metódica e despudorada. Que fere, rompe e esmaga, e me deixou alerta e sem fôlego.
O prazer incomparável da leitura.
O livro que todos os maiores de 60 anos deveriam ler.
E os outros também."

Claro que sim, diz quem agora acabou de o ler. Mas a crueldade fria e impiedosa, a lucidez metódica e despudorada- que fere, rompe e esmaga -. deixa muito mais alerta e sem fôlego quem, sendo maior de 60 anos, também o é dos 70, e tem mais 2/3 anos que o narrador/autor/peronagem escritor.
Apetece dizer que Roth abusa e, pondo logo no título que o fantasma vai sair de cena, não nos poupa ao "... sermão sobre a linha intransponível que separa a ficção da realidade", ou à "confissão atormentada sob o disfarce de um romance" (pág. 260) que, como autor, parece estigmatizar. Mas que, nesse mesmo diálogo, logo recupera como quem se compraz a remexer nas feridas próprias e no que desperta no leitor que, na ficção, encontra a sua própria realidade, ou o que ela poderia ser, ou que ameaça vir a ser. E brinca, aparentemente jogando com as palavras: "A não ser que seja um romance sob o disfarce de uma confissão atormentada"/"Então porque ficou arrasado ao escrevê-lo?"/"Porque escrever pode arrasar quem escreve...". E pode arrasar quem lê, dirá o leitor, este leitor.
Ademais, o desenrolar do jogo das palavras e das linhas e dos capítulos e dos diálogos do romance, um pé cá um pé lá da fronteira/linha (in)transponível que separa a ficção da realidade, é levado ao excesso de não se referir ao romance que foi escrito, que é aquele daquele escritor que é o autor do romance que está a ser lido, mas a um outro romance que ele quer impedir que seja publicado porque, se vier a ser ficção pode tornar-se uma realidade que não se quer conhecida ou, sendo realidade, não se deseja revelada ao vir a ser ficção.

Que dizer mais? Ah! muito mais... mas, por agora, chega. Há que recuperar algum fôlego.