sexta-feira, janeiro 09, 2009

O elefante e a sua viagem

Ia o leitor em viagem. De muitas horas. Começara a ler A Viagem do Elefante de vagar, pausadamente, em passada lenta e pesada. Assim tinha de ser. Mas as horas de avião foram muitas e muitas gastou, enquantos outros dormiam, a viajar aquele livro até ao fim.
Que livro é ele? Um livro de acasos. Que nasceu de acasos, como o autor o conta numa breve página introdutória, também de agradecimento. Depois, é um livro com uma história fora do livro, no seu tempo de escrita. História com um final feliz porque houve vida para o escrever, porque escrito foi. E que livro é este? O leitor leu-o à procura de que livro estava a ler. E ficou sem o saber muito bem. Terá de o ler outra vez. Talvez para continuar sem saber como "arrumar" que livro terá, talvez, lido duas vezes.
E isso importa? É necessária uma etiqueta? É um livro escrito por José Saramago. Que o leitor - este leitor - sente que deu muito gozo ao autor escrevê-lo. Em que ele teve, enquanto o começou e, depois, acabou de escrever, a alegria de estar vivo e a ser o que é, o amador que ama a sua profissão, o unico amadorismo que Mário Castrim consentia. O leitor também saiu da leitura, desta primeira que outra procurará que haja, com o prazer que lhe dá ler, e ler Saramago. Quase sempre.
Mas... que livro é este? Chegou o autor ao sítio aonde o esperavam. Acabou, assim, esta viagem. E já começou outra. É o fado de quem tem este itinerário, o de escrever livros.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Ho Chi Minh - Carnet de prison

Em 21 de Dezembro de 2008, em Hue, antiga capital do milenar Vietnam, amigos ofereceram-me um livro. Há lá coisa melhor? E quando o livro se chama Carnet de prison e o autor é Hó Chí Minh haveria melhor autor de que me oferecer este livro, neste dia, cidade e lugar míticos?

(Editions Thé Giói, Hanoi - 2006)

Reproduzo um excerto do texto anexo de Phan Nhuan, tradutor do vietnamita para francês, e dois poemas, que me atrevo a trazer para português, vindos do original chinês, em que Ho Chi Minh os escreveu, do sino-vietnamita para que foram transcritos e do francês, tal como estão neste belo pequeno livro, verdadeira prenda de aniversário.

1

Julho de 1946, Paris.
No salão de um grande hotel da “rive droite”, um jornalista fresco e rosado há um quarto de hora que persegue com questões insidiosas um homem magro, profundamente marcado pelo sofrimento e as privações, sentado atrás de um ramo muito simples de rosas vermelhas.
À volta, uma centena de repórteres e observadores de vários países.
O jornalista – Senhor Presidente, é comunista, não é verdade?
O homem, pacientemente – Sim.
- Fez a Resistência?
- Sim.
- Quanto tempo?
- Cerca de quarenta anos.
- Também esteve preso!
Percebeu-se onde o jornalista queria chegar.
- Sim.
- Que prisões?
- Muitas prisões, senhor.
- Longo tempo?
O homem magro sorriu um certo sorriso, olhou o jornalista fresco e rosado.
- Sabe?, quando se está preso, o tempo é sempre longo!

(...)
2.
Na primeira página

Versejar nunca me apaixonou de verdade
Mas, preso, não tendo nada melhor para fazer
Para passar os longos dias e me ajudar a viver
Eu rimo enquanto espero ver a Liberdade

3.

Caminhando

Ainda que tenha as pernas e os braços fortemente amarrados
Sinto o perfume das flores, ouço o voo das aves em liberdade.
Cheirar, escutar… não me podem proibir esta felicidade
Que faz o caminho menos triste e os homens menos isolados.