sexta-feira, abril 09, 2010

Kusturica em Ourém - Gato Preto, Gato Branco

A segunda sessão de Kusturika em Ourém, que se deseja que seja de noites de cinema no Museu Municipal, venceu de novo a concorrência do Benfica-Liverpool, e... não desmereceu a vontade da equipa promotora. Salinha bem composta!

Gato Preto, Gato Branco não é Underground. Depois de Underground, de certo modo continuando Underground (na banda sonora). quase se pode dizer que pretende apagar Underground. O mesmo humor, a mesma maestria no contar história(s) de forma diferente, aparentemente caótica, o mesmo (e melhor) manejo da câmara... mas a despolitização antitética da politização, que teria sido etiquetada de excessiva (pró-sérvia), de Undeground.

De Gato Preto, Gato Branco - que já vira antes, sem antes ter visto Underground -, talvez sobretudo me tenha ficado a vontade de voltar a ver Underground. Coisas minhas...

E lembrei, e trouxe comigo, a lembrança do que considero das coisas mais bonitas que tenho visto em cinema: o campo de girassóis a encher-se de risadas e de jogo de juventude e de amor.

Aliás, é sobre esses planos que me apeteceria dizer mais, e não sobre as escatológicas cenas de mergulho nos dejectos e de servirem os gansos de toalha ou lençol de banho de limpeza, que talvez tenham tido mais efeito que esses planos... Mas seria isso que desejava Kusturika, que queria fazer uma comédia, que queria fazer o que fizesse rir porque, para pensar em coisas muito sérias, chegara (e teria abusado, a juízo de alguns...) Underground.
.
Gato Preto, Gato Branco é: algum desvario circense e uma caricatura etnográfica desenfreada (como já li, mais ou menos...) e, de certo modo, banda desenhada com banda sonora incorporada e irresistível.

Para acabar o apontamento, duas frases rascunhadas às escuras:

  1. «a um casamento azarado pode fugir-se, mas não ao destino»

  2. «cala-te quando falas comigo!»
Venha a terceira sessão (em que, infelizmente, não poderei estar...)

quinta-feira, abril 08, 2010

Rubem Fonseca - O Seminarista


Páginas 84/5:

« (…) e fui me arrastando, arrastando como um verme. Então me lembrei de uma frase que li num dos livros de Bruce Chatwin, sobre a importância da postura ereta, ainda mais do que o desenvolvimento da linguagem, ainda mais do que a presença do superego, entre esses atributos do homem que o elevaram acima do reino animal, a postura ereta era o mais importante. Anda, seu filho da puta, eu disse para mim, fica em pé, ereto, seu merda, ereto.
Então, com grande esforço me ajoelhei, depois me ergui lentamente, ficando em pé. Ereto. Poder sair do lixo sem rastejar me deu uma das maiores alegrias da minha vida. Fui andando, cambaleando mas ereto, dando passos lentos, mas ereto, como um homem deve caminhar, ereto. (…)»
.

(tal-qual na edição original, segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009... mas custa trans-escrever erecto sem c...)

quarta-feira, abril 07, 2010

Rubem Fonseca - sobre Lima Barreto e o futebol

Há dois ou três autores assim. Estou a lê-los… e só me apetecia ter escrito aquilo. Por isso, sublinho, dou cabo dos livros, transcrevo.
Rubem Fonseca é um deles. Estou a ler O Seminarista:
Págs. 73/4:
«"(… ) além de grande escritor, era um cara interessante, remava contra a maré, odiava arranha-céus e futebol. De futebol, naquela altura como até hoje, todo mundo gostava. Mas então era um esporte de brancos ricos, e isso o mulato pobre, recalcado, que comia o pão-que-o-diabo-amassou, odiava, com toda a razão. E o futebol continuou sendo um tumor discriminatório até que o Vasco da Gama fez um time com pretos e pobres e ganhou o campeonato em 1923. Por causa dos pretos e dos pobres do time o Vasco foi expulso da Liga de Futebol, mas o golpe na discriminação já havia sido dado e com o tempo a criolada e os pés-rapados dominaram os campos. Mas em 1923 o Lima Barreto já estava morto… ele morreu em… vê aí no livro."
"Primeiro de Novembro de 1923."
…»

Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro, 13.05.1881 - Rio de Janeiro, 01.11.1923), foi um jornalista e um dos maiores escritores libertários brasileiros. Filho de mulato nascido escravo e de "escrava agregada", as lembranças e vivências do fim do período imperial no Brasil e da abolição da escravatura exerceram influência na importante obra de Lima Barreto.

terça-feira, abril 06, 2010

Rubem Fonseca-Petrarca (ou vice-versa)

Bendito seja o dia,
e o mês,
e o ano,
e a estação,
e o tempo,
e a hora,
e o momento,
e o formoso país,
e o lugar
em que fui preso aos dois belos olhos que me cativaram...
.
(O Seminarista... aqui voltarei... breve!)
.

(o momento foi a Festa do avante!,
o lugar Jamor,
o mês Setembro,
o ano 1978
... não foi?)

sexta-feira, abril 02, 2010

Underground - Kusturika

Venho de regresso de uma noite diferente. Em Ourém. Porque houve quem a proporcionasse. Iniciativa e trabalho de uma equipa (julgo eu...) que merece parabéns e estímulo
Um serão cultural. De cinema. No Museu Municipal. O ciclo Kusturika. Em Abril.
Venho satisfeito. E impressionado. Não diria em estado de choque... impressionado, está bem.
Não sabia se tinha visto Underground. Não tinha. É Kusturika, em 1996, a contar-nos, doridamente (muito doridamente, embora às vezes não parece, e nos faça sorrir e rir), o seu País, a Iugoslávia. Que era uma vez...
Só três frases gravadas (e não por serem das últimas, embora por razões kusturikas o sejam), e para ficarem como registo desta primeira noite... do resto das nossas vidas oureenses?

  1. Uma guerra só é mesmo uma guerra se irmão mata irmão.

  2. Era uma vez um País. (a penúltima do filme, também sub~título, como também é «Mentiras de Guerra»)

  3. Esta história não tem fim. (a última do filme.)