quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Guantánamo - E.U.A. a nú

Edição de 1990
13.000 exemplares
Editora Política
Indice:
  • Prólogo
  • Introdução
  • Antecedentes das relações de Cuba e Estados Unidos
  • A intromissão norte-americana na guerra hispano-cubana
  • A ocupação militar de Cuba pelos Estados Unidos
  • O expansionismo dos Estados Unidos nos finais do século XIX
  • A base naval dos E.U.A. na baía de Guantánamo
  • Uma usurpação a nú
  • A base naval ianque na baía de Guatánamo: ponto de apoio da tirania de Fulgêncio Batista
  • Provocações e agressões a partir da base dos E.U.A. em Guatánamo contra a Revolução Cubana
  • Repercussão internacional da base dos E.U.A. em Guatánamo
  • A continuidade de uma ignomínia
  • Epílogo
  • Anexos
  • - Resolução conjunta aprovada pelo Congresso norte-americano a 18.04.1898
  • - Protocolo de termo de hostilidades entre Estados Unidos e Espanha
  • - Tratado de Paz entre Espanha e os Estados Unidos, assinado em Paris a 10.12.1898
  • - Texto da Emenda Platt
  • - Convénio entre Cuba e Estados Unidos para arrendar aos E.U.A. terras de Cuba para estações carboníferas e navais
  • - Regulamento que determina as condições de arrendamento de Guantánamo e Baía Honda
  • - Tratado para ajustar o título de propriedade da Ilha de Pinos entre Cuba e Estados Unidos
  • - Troca de notas sobre reservas do Tratado para ajustar o título de propriedade da Ilha de Pinos
  • - Tratado de Relações de 1934 com os Estados Unidos
  • Bibliografia


domingo, fevereiro 22, 2009

Mais duas linhas de Chagrin d'école

Na página 138, a terminar um capítulo que todo apetecia traduzir/transcrever:




«- O problema é que se lhes quer fazer crer num mundo em que apenas contam os primeiros violinos.»

sábado, fevereiro 21, 2009

Anti-marxismo militante

Poderia dizer-se, benévola ou condescendentemente, que não sabem o que dizem ou do que escrevem. Mas não é. São manifestações de anti-marxismo militante!
A falar de livros, no actual do Expresso de hoje, em ao pé da letra, António Guerreiro mostra-se muito preocupado porque "Falta à esquerda pensar a questão do trabalho", até porque esta (a esquerda dele) "não consegue ir além da visão marxista: o homem alienando-se num processo de produção que o reifica".
É espantoso como se pode ser tão atrevidamente redutor.
Agarrei no primeiro livro que encontrei sobre Marx e o trabalho em cuja contra-capa leio:
«Esta abordagem, opondo-se à imagem de um pensamento dominado pelo proodutivismo e o positivismo científico, aclara o carácter antropológico do trabalho do trabalho e permite a abertura dos conceitos de Marx a outros saberes.»


E muitas outras abordagens poderiam abrir esses conceitos, de tal modo ricos e prenhes, a muitos outros saberes. A que estão fechados os anti-marxistas militantes.

Chagrin d'école

Página a página, melhor: capítulo a capítulo, vou lendo Pennac. Saboreadamente. E traduzindo. Como este parágrafo de um livro intraduzível(*) a começar pelo título:


«Daqui a sua recusa em compreender o enorme "isto" que "não serve para nada", este desejo de estar noutro lugar, de fazer outra coisa, não importa onde o lugar e não importa que fazer o quê.» (da página 122)

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(*) - para mim, e por mim... porque deveria ser traduzido em todas as línguas de todos os professores. E de leitura obrigatória!

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

A "efeméride do dia" - 5

(continuação)

4. Se o que feriu a sensibilidade de V. Ex.ª e determinou a sua decisão foram as alusões, mais que genéricas, à incompatibilidade das ideias darwinistas e da investigação científica com as crenças católicas acerca da origem do mundo e do homem, julgo ser legítimo (sem que isso tenha alguma coisa a ver com política) que qualquer pessoa se pronuncie por umas ou por outras. Aliás na minha carta referia-me à teologia e à teleologia em geral, não abordando nenhuma das mil questões referentes ao catolicismo e à ciência que poderia eventualmente ter abordado. Não sei se V.Ex.ª já leu a Bíblia. Eu li mais que uma vez e com a atenção devida. Não sei se também V.Ex.ª já conversou a este respeito com cientistas católicos quem tenham lido a Bíblia e conheçam a obra de Darwin (não daqueles que defendem a primeira e criticam a segunda, sem jamais terem folheado nem uma nem outra). Eu já conversei e alguma coisa aprendi com eles. Não tenha V.Ex,ª a mínima dúvida de que qualquer antropologista católico se debruça com mais atenção sobre os restos de Neandertal ou de Cro-Magnon do que sobre o número de gerações contadas desde Adão pelos velhos escritores hebraicos; de que qualquer geólogo católico atende mais aos Princípios de Liyell do que à Génese; de que qualquer zoólogo ou botânico católico não ignora nem pretende ignorar Darwin. Ninguém mais do que eu respeita as crenças alheias, como infelizmente não respeitam as minhas. E se um homem culto, ou mesmo apenas instruído, me disser (não por conveniências de qualquer natureza, mas com íntima sinceridade) acreditar nas origens da terra e do homem como o Velho Testamento as descreve, se me disser que a sua inteligência aceita melhor a Génese do que a Origem das Espécies ou os resultados de Laplace, de Newton, de Lyell, isso não faz mais do que comprovar a minha convicção do grande poder que sobre as almas e as inteligências têm as crenças religiosas. Não penso entretanto que exista no mundo um único homem de ciência (seja qual for a sua crença) que se sujeite ao ridículo de defender a imutabilidade das espécies. Nem algum historiador que, no século xx, se sujeite à aventura de estudar pré-história como o fez frei Bernardo de Brito. Mas, Sr. Director, qualquer que seja a opinião que se possa ter sobre este assunto, que tem isto a ver com “política” e com “comunismo”? Que tem isto a ver com ideias que um preso não pode manifestar?
5. Neste momento sou um preso escrevendo ao Director da Cadeia onde me encontro. Sei o que esta situação implica. Mas se me fosse lícito esperar que V.Exª pudesse meditar, apenas com a sua inteligência e o seu espírito crítico, sobre o que nesta carta digo, não tenho dúvidas de que acordaria em que não refiro factos controversos e em que algumas das minhas ideias não excedem conhecimentos elementares ou meras indicações de senso comum (…)»

Há ainda, nesta reclamação ao director, um ponto 6 em que Álvaro Cunhal coloca problemas da sua situação prisional que são do maior interesse, quer pelo que revelam das condições em que vivia, quer da sua admirável postura de resistência e verticalidade, e de que o “homem de cultura geral”, economista e militante, recomenda vivamente a leitura. Bem como do “post” em ocastendo. Que pode ser lido aqui.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

A "efeméride do dia" - 4

(continuação)

3. A mim mesmo pergunto: terá sido considerado “ciência comunista” a aceitação da evolução das espécies e da origem animal do homem? Ou afirmar haver na obra de Darwin algumas conquistas definitivas da ciência? Será mesmo exacto (aqui não se trata sequer de uma orientação) referir a campanha de silêncio sobre a obra de Darwin e atribuir a causa desse silêncio ao que tal obra afirma ou implica acerca da origem do homem e do mundo e do carácter transitório das sociedades humanas? Será “ciência comunista” afirmar que, no estudo das ciências biológicas antes de Darwin, estavam presentes a teologia e a teleologia e que a negação de Darwin conduz de novo à intervenção duma e de outra? Será “ciência comunista” afirmar as limitações de Darwin no estudo do homem e das sociedades humanas? E que na evolução do homem intervêm factores sociais? E que os sentimentos humanos, os pensamentos humanos, as noções de beleza, de bondade, de justiça não são comuns (ainda que em grau diferente) a moluscos, insectos, peixes, aves e mamíferos (incluindo o homem), mas especificamente humanos, diferenciados de povo para povo e mesmo dentro do mesmo povo através da história? E que no mundo animal e vegetal e na transformação das espécies, assim como na história das sociedades humanas, não se verifica o preceito de Leibniz (natura non fecit saltus [1]) mas há que dar uma grande atenção aos “saltos bruscos” (as “mutações” ou as invasões bárbaras, por exemplo)? Será menos verdadeiro dizer que Darwin manifestou desprezo (“cientificamente” fundamentado e explicado em numerosas passagens pelos “selvagens”, pelas outras raças, pelas mulheres? Confesso, Sr. Director, que não enxergo aqui (e está aqui condensada toda a passagem censurada da minha carta) qualquer ideia que não seja ou não possa ser aceite por qualquer homem com um mínimo de instrução e que preze a verdade, embora nada tendo de comunista, nem no pensar nem no agir.


(continua)

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[1] - Em latim no original: A Natureza não dá saltos. (N. Ed.)

A "efeméride do dia" - 3

De páginas 139 a 142 de Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas – II – 1947 – 1964:

«6 de Outubro de 1951

Ex.º Senhor Director da Cadeia Penitenciária de Lisboa

Álvaro Cunhal, preso nesta Penitenciária, vem, perante V.Ex.ª, expor o seguinte:

1. Foi-me hoje devolvida uma carta, que tinha escrito a minha família, com a indicação de não poder seguir, por conter “ciência comunista”. Dada a minha surpresa e o meu pedido para me serem indicadas as passagens da carta que motivaram essa opinião e a decisão correspondente, fui esclarecido que se tratava de tudo quanto nela se dizia acerca da obra de Darwin. Embora eu soubesse o que tinha escrito e, como sempre, me tivesse esforçado (dada a minha situação) para não dizer tudo quanto penso, fui ler e reler a carta censurada. E se, ao ser-me comunicada a decisão acima referida, senti apenas surpresa, depois de nova leitura do que tinha escrito fiquei verdadeiramente perplexo.
2. Se eu tivesse abordado, em volta das teorias darwinistas e à base do marxismo-leninismo, alguns dos problemas cruciantes da sociologia contemporânea; se, em confronto com Darwin, tivesse abordado as formas de selecção na sociedade dividida em classes e aproximado a selecção natural da luta de classes; ou se, contra Darwin, tivesse mostrado como a exploração económica e a opressão política levam muitas vezes à “selecção dos piores”; ou se tivesse abordado o problema da revolução proletária, do socialismo, do desaparecimento das classes e da evolução subsequente da espécie humana; ou se tivesse mostrado como a
struggle for life darwinista não era mais que a concorrência e a luta na sociedade burguesa transplantada para o reino animal e vegetal e uma verdadeira declaração de guerra da burguesia ao proletariado; se tivesse estudado à luz destas noções a sociedade portuguesa contemporânea e alguns aspectos da política seguida actualmente em Portugal – então bem justificado seria que V.Ex.ª considerasse existir na minha carta uma exposição de ideologia comunista. E, dado o regime de falta de liberdade existente em Portugal, seria para mim compreensível que, nesse caso, exercesse a sua censura. Mas, quando tem havido e continua a haver da minha parte o cuidado de não só afastar dos meus estudos problemas como os apontados, como de não abordar na correspondência que possam ser levadas à conta de “políticas”, sinceramente digo que não compreendo a decisão.


(continua)

terça-feira, fevereiro 17, 2009

A "efeméride do dia" - 2

De páginas 135 a 137 de Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas – II – 1947 – 1964:

6 de Outubro de 1951
(Sobre a obra de Darwin)



Devolvida carta com indicação de não poder seguir nada do que se dizia acerca da obra de Darwin (e seria “ciência comunista”!):

«Tenho estado a fazer uma revisão geral das duas obras de Darwin a fim de ordenar em apontamentos algumas ideias fundamentais. Não só me foi muitíssimo útil esta leitura – dum modo geral pelo que aprendi e, em particular por me permitir um mais completo esclarecimento de um problema em estudo para o ensaio sobre a questão agrária que estou preparando – como me deu profundo prazer. Se é certo que na Descendência do Homem, várias centenas de páginas sobre os “caracteres sexuais secundários” em todas as classes do reino animal se tornam por vezes (só por vezes) um tanto pesadas, há tanto nesta obra como principalmente na Origem algumas conquistas definitivas da ciência e tudo o resto (mesmo quando não é acertado) é extremamente educativo e chega a ser entusiasmante. Contudo, quando se lêem alguns livros escritos e publicados no século xx e quando se ouvem certos conferencistas e outros discursadores, dir-se-ia que Darwin nunca existiu, que nunca foi escrita a Origem das Espécies e que o grande passo dado pela biologia no século xix continua por dar em grande parte do mundo. Há muito que se faz uma verdadeira campanha de silêncio sobre a obra de Darwin. Nos laboratórios e no domínio da técnica aproveitam-se os resultados práticos. Mas em público negam-se as suas ideias teóricas. Não me recordo de ter ouvido o seu nome nos bancos das escolas, nem me consta que haja referências à selecção natural nos livros de “ciências naturais” para estudos secundários. Compreende-se uma tal campanha de silêncio. O evolucionismo nas ciências biológicas (assim como na geologia), além de tudo quanto afirma e implica acerca da origem do homem e do mundo, traz consigo (embora contra a intenção de Darwin) a ideia particularmente indesejável de que também as sociedades humanas evoluem, também nas sociedades humanas nada há de permanente e eterno. Lyell, que descobriu a evolução geológica, duvidou longos anos da evolução das espécies. Darwin, que descobriu a forma da evolução das espécies, nunca compreendeu a evolução do homem e das sociedades humanas. E, contudo, estas conquistas, no domínio da geologia, da biologia e da sociologia, não são de forma alguma divergentes. Mas Lyell só cerca dos 70 anos e contra os seus próprios sentimentos e crenças se rendeu à evidência dos factos e aceitou o transformismo. E Darwin não pôde sair de um grande número de limitações que lhe tolhiam a investigação acerca do homem, não na sua estrutura física (em que foi mestre), mas na sua vida social e na sua actividade intelectual. Respondendo a um autor que lhe oferecera uma obra fundamental de economia política, Darwin escrevia ser apenas um naturalista e nada perceber dessas questões…[1] A resposta não foi sincera, pois Darwin bebera em Malthus a sua struggle for life e a sua “selecção natural”. Mas essa resposta explica a sua impossibilidade de ver além do acanhado horizonte do seu extracto. Daí ter considerado a evolução do homem no ponto de vista exclusivamente biológico como se nela não interviesse fundamentalmente a vida social. Daí ter considerado as superstruturas ideológicas como de natureza puramente animal (e não de origem social) e ter não só aproximado (como seria legítimo) mas identificado as emoções e os sentimentos humanos com os das outras espécies animais. Daí ter aceitado a existência de conceitos universais e imperecíveis como do belo, do justo e do bom. Daí a sua aproximação de certas raças humanas com os animais inferiores não compreendendo as razões do seu atraso e as possibilidades de o superar. Daí a sua incapacidade para compreender que as transformações quantitativas se transformam em qualitativas e a consequente evolução por saltos bruscos, tanto no campo biológico como no social. Daí o seu desprezo pelos “selvagens”, o seu racismo, o seu antifeminismo, o seu espírito marcadamente britânico e whig[2]. Só ideólogos dum novo e ascendente extracto poderiam e puderam romper essas limitações, vencer essas dificuldades e resolver o problema da evolução do homem como evolução distinta (a partir do momento em que criou e empregou instrumentos de trabalho) da evolução das outras espécies vivas. Darwin não pôde alcançar que, desde esse momento, o homem, com um propósito consciente, passou a agir sobre a natureza e a transformá-la. Apesar porém dessas limitações, os resultados fundamentais obtidos por Darwin não só afastaram de vez a teologia e o finalismo do campo das ciências biológicas, como se mantém de pé nos dias de hoje. Antes de Darwin estudava-se a biologia com a ideia formada da imutabilidade das espécies e o próprio Darwin, a declarar a 1ª vez o seu convencimento da evolução, dizia parecer-lhe “estar a cometer um assassínio”. Depois de Darwin só é possível o estudo da biologia iluminado pela ideia da evolução; só é possível o estudo da pré-história iluminado pela ideia de que o homem provém duma espécie inferior desaparecida; e no domínio dos outros ramos da ciência (geologia, embriologia, etc.) não pode haver um estudo científico se se ignorar Darwin. Negando-se Darwin, a ciência volta à sua fase teológica e medieval.»
_______________________________
[1] - Trata-se de carta datada de 1 de Outubro de 1873 em que Darwin agradece a Karl Marx a oferta que este lhe fizera de um exemplar de O Capital.
(ainda se sublinha o facto de Álvaro Cunhal não ter referido o nome do "autor da obra fundamental” tratando-se de carta que iria passar pela censura da prisão - SR).
[2] - grupo político do parlamento britânico (conservador) no século xix.
(nota de SR).

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

A "efeméride do dia" - 1

Este é o título genérico, retirado de “coisa ouvida”, de uma série de 6 “mensagens” (e do que for que daqui venha a sair) mas poderia ter o título de Carlos Darwin, Álvaro Cunhal na Cadeia Penitenciária, a Questão Agrária em Portugal e mais umas tantas coisas ou, ainda, o de atribulações de um homem de cultura geral, dispersa e difusa.

Andava o pobre homem de cultura geral – dispersa e difusa –, saltitando sobre o que via, ouvia e lia chamar-se “a efeméride do dia”, o bicentenário de Carlos Darwin, nascido a 13 de Fevereiro, e até algo intrigado com tanto relevo, quando tropeçou numa mensagem no blog ocastendo, do António Vilarigues, que transcrevia um texto de Álvaro Cunhal, de Contribuição para o Estudo da Questão Agrária. Leu-o, quase diria avidamente, e foi o começo de um desassossego.
Foi à estante buscar o que considera uma das suas preciosidades bibliográficas, uma edição da Civilização Brasileira, de 1968, de Álvaro Cunhal, A Questão Agrária em Portugal, folheou o livro com o cuidado e enlevo com que se mexe no que é precioso e nos acompanhou por dentro da nossa vida, releu uns pequenos trechos alertando-o para a utilidade/necessidade de uma releitura, encontrou vários nomes citados e com transcrições (como o de Gil Vicente) mas não viu referência explícita a Darwin, embora a abordagem fosse a mesma que está em Contribuição…, das edições avante!, de 1976.
Por aí poderia ter ficado. Satisfeito… ou saboreando. Mas não. Resolveu ir à recente edição das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, que anda a ler saltitantemente nos intervalos de muita coisa que vai fazendo, e no tomo II (1947-1964) encontrou, entre as páginas 135 e 142, o que não resiste a transcrever.
Porquê? Pelo que são intrinsecamente, e também por poderem contribuir para explicar porquê Darwin pode ser uma, ou uma das diversões oportunas e necessárias para que se fale muito de outros nomes e coisas para que não se fale tanto de Marx, e de como o que este escreveu, com Engels e que, depois, Lenine continuou, nos ajuda a perceber o que se está a passar neste momento da crise do capitalismo, a ganhar consciência e a ganhar força para as rupturas necessárias e urgentes.
Mas não só pelo que são, como textos que, em si mesmos, nos informam sobre Darwin e ajudam a perceber tanto relevo dado à efeméride – cujo é inteiramente justo –, como também pelo que são como textos reveladores das condições em que Álvaro Cunhal esteve preso e com que grandeza moral, cívica, humana, reagiu a essas condições.
Com esses dois textos, o homem de cultura geral – dispersa e difusa – fará as outras “mensagens” neste seu blog.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Chagrin

Como leitor, sou quase tão francófono como lusófono. E, como leitor contumaz em francês (já falar é outra coisa...), Daniel Pennac exerce em mim uma irresistível atracção. Desde Comme un roman. E julgo ter lido tudo que dele se publicou. Em francês, evidentemente.

Acontece-me, quando o leio - e estou a ler Chagrin d'école -, o que também me acontece muitas vezes ao ler Saramago ou Luandino: como é que isto pode ser traduzido noutra língua que não nesta em que foi escrito?

Estou embalado na leitura. Saboreando-a, como dizia José Gomes Ferreira. E como traduzir Chagrin d´école?

Começa logo pelo título. Chagrin é palavra francesa que diz muito e me parece intraduzível. Tristeza, sofrimento, desgosto? Por exemplo, chagrin d'amour, cantam os poetas... franceses. Como o cantariam os poetas portugueses ou que falam a língua portuguesa? E vá lá que, neste caso, desgosto (ou melancolia) de amor não seria muito mau!

E procurei. Não sendo bibliófilo, procurei e aopenas encontrei uma tradução, em edição brasileira, logo da "lusofonia", com o título incrível de Insucesso na escola. Terá o tradutor (que foi uma tradutora) lido o livro?


domingo, fevereiro 08, 2009

Um episódio... ou o outro caminho que poderia ter sido

« (...) Entretanto, formara-se o 1º governo constitucional, de maioria parlamentar relativo do PS, e não houve alterações na Secretaria de Estado do Emprego… nem na Direcção Geral. Nem na relação entre os dois titulares.

Preparei um dossier com a proposta da missão técnica da OIT e seu financiamento, devendo ser tutelada, em coordenação, pelas Secretarias de Estado do Emprego e do Plano, sendo Manuela Silva a Secretária de Estado do Plano. A missão deveria elaborar proposta para o Plano de Médio Prazo 1977-1980, e apesar de eu propor 5 modalidades de financiamento, o SE do Emprego escolheu a de ser a missão financiada pelos fundos da Secretaria de Estado, maneira de a poder controlar, uma vez que o controlo técnico seria da área do planeamento.

O BIT/OIT escolheu um professor da Universidade de Gand, W. van Rijckeghem, para chefe de missão e ela foi formada por um grupo de técnicos de que lembro apenas alguns nomes: D. Baytelman (ministro da agricultura de governos Allende), M. Hopkins, C. Salm (brasileiro), R. Cuvillier, C. Cornevall (sueco). Da parte portuguesa, incluiu-se A. Borrego e a coordenação era de Lídia Barreiros, pela SEP, e minha, pela SEE.

A equipa trabalharia na Av. D. Carlos, na SEP, e após a sua instalação deu-se verdadeiro acontecimento. Combinara com o Secretário de Estado ir apresentar-lhe os técnicos estrangeiros ao seu gabinete na Praça de Londres. Lá nos deslocámos e fiz as apresentações. À saída do gabinete, o SE disse-me que ainda queria falar comigo e, depois da missão da OIT sair do gabinete, afirmou-me, solene, que, após a análise de alguns antigos processos, particularmente o da fábrica Alvorada, perdera a confiança em mim e punha-me a alternativa de eu me demitir ou de ser ele a demitir-me.

Passado – rapidamente – o efeito surpresa, perguntei-lhe se o caso referido[1] era pretexto para colocar a alternativa ou se o queria discutir, ao que respondeu, irritado, que não precisava de pretextos para me demitir, “então demita-me…”, “está demitido!”. E, assim demitido de Director Geral do Emprego, saí ao encontro dos companheiros da missão que me esperavam no átrio do rés-do-chão da Praça de Londres.

Ao regressarmos à SEP, fui logo expor a situação a Manuela Silva, que ficou estupefacta e que, após uma (pequena) pausa, me convidou para continuar em funções como seu assistente pessoal. Pedi para pensarmos os dois e só lhe responder no dia seguinte. No dia seguinte, reafirmado o convite, aceitei, pois parecia-me (parecia-nos) que aquela missão era importante e seria difícil passar o testemunho a alguém para continuar o que tinha sido o meu trabalho. Ao mesmo tempo, disse-lhe que não deixaria de recorrer da decisão do SEE. O que não alterou a sua decisão e o que eu vim a fazer, logo que formalizada a demissão.

Apesar do insólito da situação, o trabalho da missão não foi perturbado. Foi um período de intensíssimo trabalho, com duas visitas, uma ao Sul e outra ao Norte do País, e apresentou-se o “produto” ao governo. Que aprovou o Plano e o enviou para a Assembleia da República.

Seria a primeira experiência da estratégia de emprego e necessidades essenciais, o que motivou o BIT/OIT a publicar um livro, Employment and basic needs in Portugal[2] , como colectânea de algumas das abordagens e de textos mais significativos, para o que formou uma equipa, com membros da missão, que trabalhou algum tempo em Genève, que eu integrei tendo duas participações no livro. Num texto sobre a basic-needs methodology, com M. Hopkins, e num outro sobre non-material needs: culture and participation.

Antes da edição do livro, mas com os materiais, houve uma prévia apresentação num seminário na Universidade de Gand, em que chocou o desinteresse e quase ausência da representação oficial ou para-oficial portuguesa.

Enviado o plano pelo governo à AR, ainda hoje espera aprovação! Outras prioridades e estratégias foram adoptadas antes do governo PS cair e vir a recompor-se numa coligação PS-CDS.

Entretanto, Manuela Silva demitira-se e o meu recurso seguia os seus trâmites no Supremo Tribunal Administrativo. E vim a ganhá-lo, mais tarde… para ser colocado em “prateleiras”, ao lado das “gavetas” onde o dr. Mário Soares fechara o socialismo a muitas chaves, que terá atirado fora ou oferecido a alguns dos seus particulares amigos.

Portugal, em 1976-77, entrara, decididamente e pelas mãos dos partidos que se tinham assenhoreado – e democraticamente… – do poder político, no caminho das “cartas ao FMI”, da “Europa connosco”, da recuperação capitalista, da institucionalização da contra-revolução, depois de tudo ter sido usado, até o terrorismo, para impedir o caminho constitucionalizado para o socialismo (“à portuguesa” e não mimetizado).

Apenas sublinho, para seguir em frente, que a economia portuguesa, no final de 1975, e ao contrário da(s) história(s) que nos contam para justificar todas as emergências, estava, surpreendentemente, sadia. O capitalismo é que não... (...)»
.
(páginas 219 a 222 de "50 anos de economia e militância")
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[1] - o “caso Alvorada” fora o caso de incêndio numa fábrica, presumivelmente de fogo posto para os proprietários receberem seguro – e também fazerem sabotagem –, que fora, a meu ver, mal resolvido… e tinha sido muito anterior à minha entrada em funções!
[2] - ILO, Geneva, Switzerland, 1979. Em 1985, este livro viria a ser publicado pelo Instituto de Pesquisa Social Damião de Góis, criado pelo Presidente da República Ramalho Eanes. Tem valor histórico e impede a contrafacção de alguns “historiadores” que, eventualmente, não saibam ler inglês… Há, ainda, um pormenor curioso: apenas soube desta edição por O Jornal, pelo que protestei junto do IPSDG, e recebi um exemplar, acompanhado de um cartão de explicações como a de ser “a segunda pessoa a quem o Instituto, muito justamente, envia a publicação, a primeira foi a dra. Manuela Silva”.