sexta-feira, maio 25, 2007

O Tempo das giestas", no dia 2 de Junho, no espaço Som da Tinta

Explicações necessárias(*)

A ideia de escrever este livro surgiu-me quando, há cerca de dois anos, uma senhora se dirigiu à sede do PCP, em Lisboa, procurando saber notícias de um rapaz que conhecera e pelo qual se apaixonara, em 1936, e que, a dada altura, desapareceu misteriosa e definitivamente. No decorrer das buscas a que, durante muito tempo, procedeu, a senhora chegara à conlusão de que o seu apaixonado de então perfilhava ideias comunistas. Daí a procurá-lo onde, presumivelmente, lhe poderiam dar, e deram, notícias: o desaparecimento do jovem - na realidade, militante comunista - decorrera do facto de ter sido preso e deportado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde viria a ser assassinado.
Obviamente que nem a referida senhora é a personagem Teresa, nem o rapaz por ela procurado é o Simão deste romance. Assim, e porque em ficção (quase) tudo é possível, a personagem Simão será o trigésimo terceiro resistente assassinado pelo fascismo no Campo da Morte Lenta.
Tratando-se de uma obra de ficção, quer os personagens quer a trama desta história são fruto da imaginação do autor.
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(*) - do autor
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O tempo das giestas será apresentado, por Pedro Namora, no dia 2 de Junho, no espaço Som da Tinta

quarta-feira, maio 23, 2007

Reverte - O escritor, o pintor, o fotógrafo, o repórter de batalhas (por esta ordem... misturando tudo)

O pintor (que fora fotógrafo) deu por terminado o mural em que ajustou contas com a vida (e as guerras) e com os homens, antes de todos com o homem em que as guerras (e a vida) o tinham tornado. Assassino de quem amara, isto é, também de si próprio.
O escritor (que foi repórter) releu as últimas linhas do livro e de novo se interrogou sobre o que encontraria o pintor no final das cento e cinquenta braçadas de ida e mais as cento e cinquenta braçadas que de volta não seriam. Carregou nas teclas ctrl + alt + delete como se fizesse detonar uma mina que lhe destruisse a vida. Aquela vida que vivera, vivendo batalhas. E soube, o escritor, que se vivo queria continuar teria de começar tudo de novo. Deixando o pintor entregue ao destino onde o levassem as trezentas ou mais braçadas mar adentro.

Um livro pare, leia, pense, questione(-se) e ao escritor (e ao pintor, e ao fotógrafo que o pintor foi por jornalista de batalhas ter sido o escritor)

S.R.

domingo, maio 13, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 34

O capítulo VIII, que começa pelo "berço de D. Quixote de la Mancha", dá ganas de que o reproduza todo (qual capítulo não o dá?). Mas não pode ser... vou tentar ser contido. O que tem de ser recontado é como, contado por Mestre Aquilino, aparece Sancho (páginas 177 e 178)

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(...) D. Quixote é o poema da alma popular, escarmentada e sofredora. (...) Faltavam cavadores. Farto de andar pelas estradas e bodegas, (Cervantes) nunca reparara bem em tal gente dobrada para a terra que nos dá de comer e nos come, a regá-la com o suor do rosto. Militar, agente do fisco, pajem de gentis-homens, ocupou-se com a tropa fandanga que topou pelo caminho. Sancho Pança cobriu a lacuna. (...) Faltava ali Sancho. Para onde se meteu o homem que vem escravo desde o princípio do mundo?!

Debalde D. Quixote, quando recebe hospedagem dos cabreiros, o puxa para a sua beira. Ele recusa, é certo que não em nome dos respeitos plebeus, mas da sua comodidade. Acha-se assim mais à vontadinha para comer, beber, arrotar, limpar os beiços ao canhão da véstia, do que muito direito ao lado do amo, velho fidalgo de etiquetas, consoante está afeito a ver, obrigado a trincar com decência e a fingir de bem-educado.

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Por aqui me fico. Por agora, e muito custosamente, pois logo no seguinte parágrafo Aquilino nos diz coisas em que entram palavras como deputado, socialista e conservador. O que tem muita piada (oportuna, direi eu). Lá iremos...

quinta-feira, maio 10, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 33

"O berço de D. Quixote de la Mancha. O cárcere ou os caminhos ensoalhados da Mancha? Índole da novela. A arraia-miúda é chamada a figurar no presépio castelhano. Sancho Pança também é gente (...)".É este o começo do enunciado do capítulo VIII do ensaio de Mestre Aquilino. Que diz tudo - além de tudo o mais que também diz logo a seguir - e dispensa as palavras de introdução e "ponte" que tenho vindo a deixar de minha lavra. Pois caminhemos pelas páginas 176-7 que começam o capítulo.
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O D. Quixote devia ter sido inspirado a Cervantes quando, reagindo o homem de mal consigo e com o mundo, bifurcado no lombo de uma mula passeira, através de caminhos velhos da Mancha, via da terra desdobrar-se o manto florido, as aves em seu bulício, o sol maravilhoso nascer e mergulhar no catafalco da púrpura vespertina, sentindo em suma o repululamento exaltador da vida. A pústula conduz à náusea e não ao arroubo sensorial. E, quanto a elevação, o que medra e cresce desmesuradamente no cárcere é o sentido da liberdade inato em todo o ser vivo. Se os tiranos fossem coagidos a um estágio entre ferros, como aula política, sujeitos ao regime comum, acabariam por ter noção mais exacta e com certeza mais profícua de humanidade.
É bem manifesto que D. Quixote, livro popular, deve à sua índole o império que alcançou sobre a curiosidade comburente do mundo. Tal como a Bíblia, onde os grandes capítulos são aqueles em que palpita e vibra o homem de barro comum: Job, o livro de Rute, os Macabeus, etc. Tal como a Odisseia.
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E por aí fora... como iremos ver mais adiante.

domingo, maio 06, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 32

Aproveito uma trégua em outras obrigações e deveres, para dar mais um pequeno passeio, procurando ajustá-los à dimensão do que chamam "post", ainda pelas mesmas páginas 173/4, onde Mestre Aquilino se encontrou com Ribeiro Colaço, que faz de D. Quixote um desejado D. Sebastião tão idiossincraticamente português.
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Este livro tem a propriedade, pois, de ser uma espécie de quadro parietal, fosforescente, de todos os intuitos filosóficos e sociais, ou apenas a torre roqueira, onde veio esbarrar a Cavalaria. Com igual verosimilhança, o adaptaram a este e aquele padrão, sem igualmente haver seguridade no desmentido.
Assim como assim, depois do Quixote, os romances de Cavalaria caíram no limbo. Estava o desfecho implícito na evolução natural das escolas literárias. Mas a durindana do cavaleiro manchego deu-lhes o golpe de misericórdia. Não foi apenas para as novelas de Cavalaria que soou o dobre a finados. Se-lo-ia, também, para a feudalidade, sobreviva ao Renascimento, com seus condottieri, suas Ordens militares, seu direito absoluto, seu monarquismo absorvente e autocrata. Pelo menos por um longo período. Di-lo Byron no seu D. Juan:
(...)
«Zombando, Cervantes decepou o braço direito de Espanha, que era a sua Cavalaria. A partir dessa data, acabaram ali os heróis. Pagou caro com tal perda a glória de possuir semelhante livro.»
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Apesar de ter dado um salto, pequenino que cavalo de pau não é saltador, saiu o passeio mais largo que o anunciado. Mas que hei-de fazer? Quando me ponho a dar estes passeios difícil é parar quando tudo se antolha matéria a ver e a transcrever. E apetece logo passar ao que Mestre Aquilino chama o "berço do D. Quixote de la Mancha". Lá iremos. Espero que breve.

No cavalo de pau com Sancho Pança - 31

Desde 5 de Abril, um mês passado, que não dou um passeio neste cavalo de pau, que de tanto repouso tem abusado. E a falta que me tem feito... Como a vida nos afasta de fazer coisas que tanto prazer nos dão! Volto aos ludíbrios que D. Quixote de la Mancha descerra em maior quantidade que "um prisma de cristal ao sol". E só por um exemplos que a nós diz respeito me fico.
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E, vai, uns (dos "astrólogos da literatura") descobriram ali uma sátira e coisas e loisas coevas, outros uma configuração dos tempos futuros. E não faltou quem, avantajando a alça, visse no reticulado do megalómano personificado, não vemos bem com que geometria, o tribunal do Santo Ofício. Finalmente, na mesma ordem de interpretações, Tomás Ribeiro Colaço, no belo livro D. Quixote, Rei de Portugal, sustentou com nutridos e calorosos argumentos a tese de que o cavaleiro manchego, alcandorado a destemperos e loucuras sobre-humanas, era nem mais nem menos D. Sebastião, o Desejado, cuja memória infeliz e trágica, delirante e absurda - notou Cervantes - a piedade do povo lusitano começava a revestir dum indulto exorável de lenda. E neste guindado símbolo, Ribeiro Colaço não foi menos lógico que os outros exegetas.
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E como andei arredado destas tarefas, a elas voltarei breve, se é que não já a seguir...