A uma tal Maria Castro Dias
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Sim. Vou atrever-me a escrever um "ensaio" (entre aspas) sobre tradução. Em meia dúzia de linhas, à medida de um blog. Por isso, não será um ensaio (sem aspas).
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Sempre que leio um livro traduzido, perco algum tempo a pensar - e a avaliar - a tradução. Uma obra que alguém escreveu na sua língua, ou na língua que fez sua ao escrever o livro, é por mim lida numa outra língua, que é a minha, de leitor, pelo que há uma entreposta pessoa entre o autor que escreveu o que leio e eu que leio o que escrito foi.
Aliás, já algumas traduções fiz - de livros de economia -, já nalgumas traduções participei. E começo por uma destas. Ou já comecei, quando escolhi um nome (e não foi o nome), alguém, tradudora, para lhe dedicar este "ensaio".
Foi o caso de ter vivido intensamente a tradução de A História do senhor Sommer, de Patrick Süskind. Talvez sem na altura me aperceber tão bem como hoje sei que o foi. Aquela casa em que vivíamos foi, durante uns tempos, partilhada pelo autor, um alemão nascido na Baviera, mais da idade da tradutora que da minha, que se meteu na nossa vida-a-dois (e mais um).
Foi uma aprendizagem sobre designações de peças de bicicleta, sobre coisas ligadas a piano, foi um tempo de buscas para encontrar, em português, a correspondência mais ajustada para o que o tal Patrick escrevera em alemão. Foi muito giro. E, sem querer uma folhinha de louro que seja para a obra tão asseada que saiu, dela me orgulho.
E por ela me zango. Por ver, na busca de agora - para elaborar este "ensaio"... -, a tal Maria Castro Dias assim nomeada, e não como gostaria que estivesse, e por a ver poucotratada, e vá lá que não maltratada porque referida. Embora sem encontrar referências à 1ª edição, e só os ver a partir da 2ª edição, de 1993 (e vão 12), o que me impede de dizer com precisão em que anos andámos (é maneira de dizer...) às voltas com a tradução.
Poucotratada para não dizer maltratada... O que não é o caso de um outro tradutor de um livro que me marcou, pelo excelente texto que li em português, de um autor turco, traduzido do francês. Trata-se de Os românticos - a vida é bela, meu velho de Nazim Hikmet, traduzido por um tal José Saramago, 1ª edição de 1985, quando o tradutor "precisava" de fazer traduções (e ainda bem que fez esta, e outras), sendo o caso da promoção da obra, pela editora, não referir quem a traduziu.
Adiante...
Pois sobre isto de traduções haveria muito a escrever. E, feito o intróito, avançaria por dizer que há autores que só leio na língua original. Como os portugueses e brasileiros e um certo Daniel Pennac que não sei como leria em tradução para português. É que não vejo como (Chagrin d'école, por exemplo). Tal como, ao contrário, não vejo de que maneira certos autores de língua portuguesa poderiam - poderão!, porque são - ser traduzidos noutras línguas. Como Aquilino, como Mia Couto, como Luandino Vieira.
Já o caso que me trouxe a este "ensaio" é o de uma tradução que, na minha leitura, ultrapassa a grande qualidade de passar desapercebida, para me despertar, ou sobressaltar, para a sua qualidade intrínseca.
A tradutora de O complexo de Portnoy, Ana Luísa Faria, fez-me, mais de uma vez, parar na leitura. A apreciar as soluções de tradução, como na manutenção de palavras e expressões judaicas talqual (talvez a "solução" para traduzir Luandino), que o leitor se deve encarregar de traduzir, como o faria na leitura do original, ou a pensar "que bem adaptado à língua e cultura que é a de mim-leitor português".
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«Porque é que eu não casei com a rapariga? Bom, para começar havia aquele seu calão queriducho de colégio interno. Insuportável. “Deitar fora” por vomitar, “piurço” por irritado, “de gritos” por divertido, “chanfrado” por louco. Ah, e “divinal” (…). E depois havia as alcunhas dos amigos; e havia os amigos propriamente ditos! Quincas, Pipas e Cucas, Nicos, Bolotas, Xixas, Pituns, Bonecos, Babás – quem a ouvisse pensaria, disse-lhe eu, que ela tinha andado em Vassar(*) com os sobrinhos do Pato Donald… Mas a verdade é que o meu calão também a fez sofrer. Da primeira vez que disse foda-se diante dela (…) estampou-se no rosto da Peregrina uma tal expressão de sofrimento, que seria caso para pensar que eu lhe gravara na carne as seis letras a ferro em brasa. Mas porquê, perguntou-me ela em tom de queixa, assim que ficámos sós, porque é que eu tinha sido tão “detestável”? Que prazer me dava ser tão “malcriado”? O que é que eu queria “provar”? “Foste chatérrimo, e sem necessidade nenhuma. Que coisa mais gratuita.” Chatérrimo, na linguagem das debutantes, é sinónimo de desagradável.»
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(*) Vassar College é uma das mais antigas e tradicionais instituições privadas, mista de ensino e de artes, nos Estados Unidos. Situa-se em Poughkeepsie, cem quilómetros ao norte de Nova Iorque. Fundado em 1861, foi a primeira universidade exclusivamente para mulheres nos Estados Unidos.
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(*) Vassar College é uma das mais antigas e tradicionais instituições privadas, mista de ensino e de artes, nos Estados Unidos. Situa-se em Poughkeepsie, cem quilómetros ao norte de Nova Iorque. Fundado em 1861, foi a primeira universidade exclusivamente para mulheres nos Estados Unidos.