quarta-feira, novembro 11, 2009
11 de Novembro
Uma noite não são dias... nem todos os gajos são parvos!
Como de costume, vou faltar ao almoço combinado, no Restaurante do Mercado Paulo Portas, não pelas não-razões habituais, mas porque tive de vir a Oporto tratar de uma coisa inacreditável que só visto e à vista: uma gaja muito boa (ao que se vê no bodybook) que não quer sexo virtual… vamos lá a ver se ainda sou capaz de sexo real!
Viajo no Relâmpago Sócrates (ex-CGV) e, além desta mensagem, estou a rever umas notas para a aula de amanhã que vou dar a Timor sobre a História de Portugal. A partida é no Aeroporto Mário Lino às X e XIV (o meu Rollex foi comprado em Roma, e em Roma sê romano…). Se puderes ir à Gare Palma Inácio, ao embarque, ainda te levava uma embalagem liofilizada de papas de sarrabulho.
Mas... voltando à História de Portugal, vou explicar lá aos timorenses unidos (e que, por isso, jamais serão vencidos... dizia o nosso avô) como é que, aqui em Portugal, se fez a reforma da educação conhecida pela "reforma da lurdinhas", apesar da incrível oposição de um façanhudo comunista (nesse tempo havia uns gajos assim, antes da perestroca)) chamado Mário Nogueira que não queria era ser avaliado nem por nada .
Estou a atravessar o túnel sob o rio Manuel Alegre (parece que vinha para cá pescar, esse bardo-maior da nossa política), e estou aqui estou a chegar a Oporto, depois de uma estafante viagem de XXXVII minutos, no meu relógio..., desde Lisbon-on-Carmona River (houve mais que um Carmona, mas este que mudou o nome ao Tagus parece que foi presidente provisório da Câmara no século passado).
Estou quase a chegar mas ainda te digo que estou preocupado com a saúde das nossas mães, até porque não têm médico de família, coisa que está por resolver desde que se decidiu melhorar o Serviço Nacional de Saúde criado pela Rainha D. Leonor, e revisto por um francês de nome Arnaud, que veio para Portugal com os imigrantes à babujem do tal 25 de Abril é que era para ser.
Vejo aqui na TV Marcelo da minha poltrona, no canal Histórias, que no julgamento do caso Casa Pia, que uns putos inventaram, um tal Armando Vara foi arguido até morrer (e de velho!), por ter telefonado ao seu amigo e correligionário Sócrates a falar sobre um Freeport qualquer, a dizer não se sabe o quê porque o Supremo Tribunal de Contas privatizou todas as escutas em que entrasse o Presidente do Conselho. E fez um grande negócio...
Olha, cheguei à Gare Pinto da Costa, e vou a correr para a cama da tal fulana que está à minha espera. Já viste isto? Ele há cada ela… Espero que o colchão seja de água destilada e ela tenha tomado as devidas precauções. Porque o sexo real tem os seus riscos. E não quero cá gravidezes. Dela ou minha.
Se não for antes, até à próxima, no meu regresso de Lorosai City.
Osculo-te fraternalmente, e à tua cara-metade mais aos rebentos meus sobrinhos.
segunda-feira, outubro 26, 2009
Leite Derramado, Chico Buarque - 4ª nota-transcrição
domingo, outubro 25, 2009
Leite Derramado, Chico Buarque - 3ª nota-transcrição
Caim e os ódios que Saramago concita
Estava na fila, à espera de vez. Com dois com-correntes de muito peso á frente. Nada menos que um Roth – Indignação –, já começado, e logo entusiasmando desde as primeiras páginas, e um Luandino Vieira – O Livro dos Guerrilheiros – que muitas e acrescidas razões fazem prioritário.
Mas outras razões, e sem-razão algumas, se levantaram. E estou a ler Caim. Uma das sem-razões é a de que não me quero deixar cair na tentação de ignorar o romance ao vê-lo afogado na polémica aparentemente teológica, se deus, num romance, deve (ou pode) ser chamado filho da puta ou não, se Saramago tem o direito ou não de continuar nosso compatriota.
Saramago concita ódios. Porque é, (quase) consensualmente, um enorme escritor. Porque ganhou o Nobel. Porque se afirma comunista e membro do Partido Comunista (embora tantas vezes não o pareça, ou pareça ser do Partido Comunista-José Saramago – PCP-JS). Porque não foge a temas – ou até os procura – polémicos, e sobre os temas que a sua capacidade inventiva escolhe, romanceia com prodigiosa criatividade e manejo da língua escrita. Porque acicata frustrações em falhados que o álcool torna piores ainda. Porque tem aquele feitio que a idade, a doença e outras circunstâncias exacerbaram. Também talvez porque ele goste de estar no centro do mundo, e algo o empurre para se substituir ao deus em que não acredita mas que o formatou.
Nesta espécie de polémica que nos avassalou, não faltou quem tivesse vindo anavalhar canhalhamente o homem, ignorando deliberamente o escritor. E o romance.
Não entro nesse lodaçal. Estou a ler o romance. Como quem se refugia num canto da sua casa para não apanhar com salpicos da lama levantada pela pedra atirada ao charco.
sábado, outubro 24, 2009
Leite Derramado, Chico Buarque - 2ª nota-transcrição
sexta-feira, outubro 23, 2009
Reflexões lentas e curtas - leituras à margem das polémicas e da Bíblia
Não se discutem dogmas! Não se polemiza com dogmáticos.
Os dogmas aceitam-se ou rejeitam-se. Por princípio, rejeito-os; por proto-dogma, não os discuto, até porque o dogma é “um ponto indiscutível de uma crença”.
Posso (posso?) é perguntar, aos que aceitaram uns dogmas, se conhecem os dogmas que aceitaram.
Por exemplo, à margem da actual polémica suscitada pelo livro de José Saramago, há quem tenha vindo, prenhe de dogmas (decerto gémeos…), invocar os Dez Mandamentos como um “código de boa conduta”, e logo ali, expeditamente, excomungar o autor de um romance que não leu, expulsando-o de seu (e nosso) compatriota.
Pego só no último mandamento desse exemplar código de conduta... No 10º mandamento (aliás 17., no capítulo xx de Exodo, Antigo Testamento-II, 1961). Na redacção, tal como nesta edição, da Bíblia Ilustrada, das “tábuas da lei” entregues a Moisés, está: “não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher do teu próximo, nem seu servo ou serva, o seu boi ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença”.
Não desejar “a mulher do próximo”, ao mesmo nível da interdição de cobiçar a casa do próximo e de não desejar, do próximo, o servo ou a serva, o boi ou o jumento, ou qualquer outra coisa que a este pertença?!
Então… e se a mulher do próximo, reciprocamente, me desejar a mim – por estar próximo… – ou a outro, e não se considerar coisa possuída mas ser humano… apesar de ser mulher?!
Estarei a descontextualizar? Talvez. Mas o curioso é que as contextualizações e adaptações, para aggiornamiento dos textos, não obviam a que, em resumos actuais, se diga, enquanto "Lei de Deus", 10º - Não cobiçarás a casa do teu próximo e nem a mulher do teu próximo.
Conhecerá, o dogmático, o dogma? E a sua esposa, conhecê-lo-á… e aceita-o?
Se conhecem e aceitam... ponto final!
Leite Derramado, Chico Buarque - 1ª nota-transcrição
domingo, setembro 20, 2009
Leite Derramado, Chico Buarque
Há muito tempo não presto contas das leituras. A quem? A mim mesmo se a mais ninguém for.
E um livro lido não me larga. Resiste ao tempo transcorrido, a necessidade de sobre ele escrever – sim, a necessidade – sobrevive a muita e tanta outra ocupação do tempo e do espírito.
Começo logo, ao "pôr a escrita (sobre as leituras) em dia”, por uma apóstrofe “Grande Chico! Grande livro, senhor Chico Buarque!”.
É que o livro é Leite Derramado, de Chico Buarque, Companhia das Letras, Brasil, 2009.
Acontece que o li depois de Exit – o fantasma sai de cena, de Phillip Roth, o que tornou a leitura mais… complicada. Dois grandes livros sobre a velhice. Muito diferentes mas iguais no/para este leitor. Que velho é, e se encontrou – aqui e ali… - no que lia em um e no outro livro.
Do de Roth já “prestei contas”. E não foram fáceis… Já do de Chico, essas contas são bem diferentes.
Depois de ter lido umas “coisas interessantes” em que visitou o universo da literatura, com este Leite Derramado, Chico Buarque instalou-se nesse universo de reservado direito de admissão. Este é, na minha leiga opinião, o livro de um escritor.
Um texto consistente, muito bem urdido, com as medidas todas e certas.
E pergunta-se, o leitor que fui do seu livro, como é que ele conseguiu.
É como se o escritor tivesse sido velho, com a memória a falhar e a confundir tudo, e tivesse voltado, novo, rejuvenescido, para contar como tinha sido, como fora ser velho.
Já outros grandes escritores fizeram parecido. Mas só parecido. Por exemplo, e só para exemplo, José Rodrigues Miguéis e José Cardoso Pires estiveram, por doença, quase “do outro lado” e voltaram para contar. Mas o Chico não. Porque não é a mesma situação de regresso. É um regresso de onde não se pode ter ido, um regresso de onde se não regressa.
De uma estada num hospital, de um colapso cardíaco, volta-se, ou pode voltar-se, para contar como foi. De um estado de senilidade mesclado de lucidez não se regressa. Até porque as intermitências são definitivas até chegar o fim de tudo.
Chico Buarque sem ter ido, sem ter vivido, sem ter sofrido o que nem sofrido será, regressou. Para contar. Como se tivesse ido, vivido, sofrido.
E, escritor a construir ficção, conta onde foi, como viveu, o que teria sofrido se sofrido fosse, mas conta também, e muito bem, tudo o que é o quadro dessa viagem individual, solitária, que não pode ter feito. Conta o Brasil, conta o contexto, o que foi passado e o que é.
Depois de Roth me ter conquistado e esmagado, Chico veio conquistar-me e fazer-me acreditar que um escritor pode contar o que não viveu, regressar de viagens que não fez, que não podia ter feito.
.
Mais coisas direi. A mim mesmo… Tiradas do livro. Só três ou quatro.
sexta-feira, agosto 21, 2009
terça-feira, julho 28, 2009
O fantasma sai de cena... porque já não pertence a este lugar - 8
segunda-feira, julho 27, 2009
O fantasma sai de cena? ... isto acaba é mal! - 7
sábado, julho 25, 2009
os já-não e os ainda-não, segundo o fantasma que sai de cena - 6
sexta-feira, julho 24, 2009
A que cheira o "fantasma" que pretende(ia) sair de cena? - 5
Exit - ou... a jogar a macaca? - 4
quinta-feira, julho 23, 2009
Pode o fantasma sair de cena? - 3
terça-feira, julho 21, 2009
O fantasma sai de cena? - 2
domingo, julho 19, 2009
Há muitas maneiras de sair de cena - 1
O prazer incomparável da leitura.
O livro que todos os maiores de 60 anos deveriam ler.
E os outros também."
sábado, abril 25, 2009
Memória do 25 de Abril?
segunda-feira, abril 13, 2009
No centenário de Soeiro Pereira Gomes
domingo, abril 12, 2009
Nos 100 anos de Soeiro Pereira Gomes...
sexta-feira, abril 03, 2009
Leituras desfasadas da "crise"
"43 reflexões de figuras de referência da Universidade e da vida económica portuguesa". Nem um com uma reflexão marxista-leninista, resmunguei e pousei-o. Ou melhor: rejeitei-o. Depois, repeguei-lhe. O Carvalho da Silva? A sua leitura é, decerto, sindical e para "equilibrar" a do João Proença. Folheei-o. Excerto do Krugman? Tinha de ser! Para fechar o livro, esta verdadeira provocação idiota de um qualquer Arnaldo José da Silva dizendo que "Não existe crise!!! Existe sim, uma propaganda negativa e destruidora feita pelas emissoras de televisão em troca de audiência. Desligue a televisão e trabalhe. Você surpreender-se-á com o seu sucesso!"... A culpa dos trabalhadores, claro!, que vêm muita televisão e trabalham pouco...
Em vez de o pousar apeteceu-me atirá-lo porta fora. Mas podia acertar em alguém...
Continuei a folheá-lo. Se calhar estava a fugir de ler a "reflexão" do meu ex- jovem camarada, colega de brilhante carreira académica, do António Mendonça: A natureza da crise actual.
Comprei o livro, claro. Já li umas páginas. As do António Mendonça, obviamente. Que confrontei com umas outras páginas de sua autoria (em colaboração com o Nelson Ribeiro), num outro livro que fui buscar à estante e de que, de vez em quando, me sirvo. Sobretudo de O marxismo e a crise económica actual, um muito interessante (e pedagógico) estudo de autoria desses colegas.
Que experiência curiosa. A edição é da Caminho, na Biblioteca Universidade Popular (do Porto), animada pela saudoso Armando Castro. De 1985. Dos tempos da esperançosa, ilusória, traidora perestroika. Como eles eram marxistas! Como tantos ficaram orfãos da União Soviética! E, hoje, em que estado estão alguns que até pareciam ter uma certa consistência ideológica...
O interessante é que, ao ler o texto de hoje, ele me parece, nalguns trechos, no diagnóstico, uma tradução para "capitalês" de partes do estudo de há quase 25 anos. No meio de uma incontáveis paradigmas e modelos, que até irritariam o leitor mais benevolente, a tradução de capitalismo por economia de mercado e outras, a ausência de qualquer referência a Marx, marxismo, socialismo, mais-valia, exploração, trabalhadores, essas coisas, brrr..., enterradas avestruzmente, por total omissão, como se de um espectro se tratassem (e tratam!).
Daqui deriva, apesar da utilidade das "hipóteses de apreensão das características fundamentais da crise económica actual", desde que retrovertidas para língua de economista sem fantasmas, a codificada conclusão (bem diferente das de 1985, por oportuno esconjuro ou exorcismo) de que a crise económica actual estaria a abrir "um processo de reconfiguração do modelo de organização económica e de intervenção dos poderes públicos que aponta para um maior controlo das dinâmicas de internacionalização das economias e da globalização para uma recuperação dos instrumentos e do papel da política económica a nível nacional e para uma reestruturação e reforço do papel das instituições económicas internacionais. Em síntese (...) é bem provável que a crise actual represente o fim do modelo e do paradigma económico que a crise dos anos 70 do século passado fez emergir, que a crise, posterior, dos anos oitenta consagrou em termos de paradigma e que a expansão dos anos noventa fez consolidar como modelo global." O fim "disto" e o começo de "quê"?
Será "isto" (o modelo paradigmático...) o capitalismo? O "quê" que se seguirá (ao paradigmático modelo) será o socialismo? Por obra e graça de quem? Ou com luta? E que luta? E de quem?
Ora paradigma para o modelo. Que pena que isto me faz!
sábado, março 28, 2009
Visitas e viagens a livros e livrarias
Visitas e viagens a livros e livrarias - 1
domingo, março 15, 2009
Tempo de leituras e leituras do tempo
Há que fazer alguma coisa, e algumas coisas estão a ser feitas. Não as suficientes.
Cá por mim, ganhei o vício. Bom. A boas horas. Acho eu...
Como escreve Daniel Pennac (mais ou menos assim) em “Comme un roman”, na vida deste tempo em que não há tempo para ler, cada tempo de leitura é tempo que se acrescenta ao tempo… de vida.
Estou a ler dois livros. De dois Prémio Nobel. De 2008. Le Clézio, de literatura, P. Krugman, de economia.
quarta-feira, março 11, 2009
Manuel da Fonseca
Despertemos e vamos
Eia!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
Como era a Tuna do Zé Jacinto
Tocando a marcha Almadanim!
domingo, março 08, 2009
8 de Março - "A Condição da Mulher Portuguesa"
Em 1967, a Editorial Estampa lançou uma colecção a que chamou Polémica e de que entregou a direcção a Urbano Tavares Rodrigues. Para o 2º volume da colecção promoveu, em Novembro de 1967, um colóquio sobre a condição da mulher portuguesa para ulterior publicação, e convidou 4 escritores (Agustina Bessa Luís, Augusto Abelaira, Isabel da Nóbrega, Natália Nunes) uma jurista, Maria da Conceição Homem de Gouveia, uma socióloga (também escritora), Isabel Barreno Martins, e um economista, o responsável deste “blog” e “post”.
Tinha então 31 anos, e o convívio com escritores de que era leitor foi, para mim, experiência muito interessante.
Neste 8 de Março de 2009, reproduzo, com ligeiríssimas correcções, o começo da minha intervenção:
Ao aceitar o convite para participar neste debate, se o fiz com muito prazer, desde logo, também, me atribuí tarefas de sacrifício.
Primeiro, porque sentindo que devo apresentar os áridos números, sei que isso me pode tornar no desinteressante estragador de troca de impressões vivas, sobre temas vivos. Paciência! Tentarei pôr gente dentro dos números, adubar a sua aridez com clara significação humana. Depois, e este já não é um problema nosso, mas só meu., muito gostaria de aproveitar quem aqui está encontrado para ser mais a conversar sobre a Mulher, sobre a Mulher e o Homem, sobre o amor possível. A conversa-prazer só facultada a alguns de nós que, por isto ou por aquilo, têm o privilégio de dispor das fatias do bolo património-sócio-cultural que o ser humano vem aumentando desde que começou a sê-lo. É que a disponibilidade para a realização a dois, o tema mãos dadas, “a semente que tu és e a terra que eu sou”, tudo isto nos apela para o conversar-desfrute. E então convosco!…
Mas vamos às tarefas auto-atribuídas. Lá fora, aqui ao lado, há frio, há fome, há quem apanhe chuva(*).
Por uma questão de método, entendo dever estudar-se o problema da condição da mulher por uma forma paralela ao esqueleto de uma formação social. Porque, na minha perspectiva, a condição da mulher resulta, fundamentalmente, de condicionalismos sociais, resulta de um fundo histórico.
Condicionalismos sociais, fundo histórico, que têm as suas raízes na relação Ser Humano-Natureza, no esforço do trabalho dos seres humanos relacionados entre si, para a progressiva libertação das condições impostas pela natureza.
Teríamos assim que dividir a abordagem do problema em estratos:
- A mulher como ser biológico, na sua relação com a natureza;
- A mulher como animal social, na forma como o ser humano se organiza nessa relação;
- A mulher na consciência social, na representação que dela se tem (e que ela tem de si), nas instituições que traduzem , e tantas vezes forçam, a realidade da relações sociais e que traduzem, e tantas vezes forçam, o equilíbrio das forças sociais em antagonismo.
Vou deter-me, na minha participação, nos dois primeiros aspectos, mas afirmando, como definição fundamental, que nada é estanque.
Sobre a mulher na consciência social quero, no entanto, deixar dois apontamentos. Todo este interesse, todo este levantar a luva para discutir a condição da mulher reflecte que estamos perante um desequilíbrio. Existe, na base das relações sociais, uma transformação que, ao nível superstrutural, não é acompanhada em correspondência.A literatura, as artes dão-nos esse desajuste. Os códigos civis mostram-nos (ou não nos mostram?) que as situações legais não servem as situações de facto. E, depois, o resultado disso: páginas femininas em profusão e a ganharem dimensão social, pega-se na bibliografia económica e a mulher a aparecer em muitas obras. A mulher (e a sua condição social) em foco. Em causa uma discriminação que, pessoalmente tanto me violenta como a resultante da pigmentação da pele.
Espero, com os números que vou apresentar, ilustrar o que foi dito ou for dito, fornecer elementos úteis a um melhor aperceber da real situação da mulher e, depois, libertar-me para a troca de impressões não quantificada mas, aproveitando números, valorizada. (…)
____________________________________________
(*) Nesse fim de dia e começo de noite de 1967, um temporal caíu sobre Lisboa provocando inundações com dimensão e consequências verdadeiramente dramáticas. Ao sair do debate, estava a cidade e os arredores em grande agitação, e destaco a solidariedade que então se organizou e em que os militantes do PCP, na clandestinidade, tiveram relevante intervenção.
segunda-feira, março 02, 2009
As andorinhas e o amor em matéria de ensino
Ora, essa é precisamente a orientação do nosso quarto: norte, sul. Uma clarabóia na parede virada a norte, uma dupla janela na parede virada a sul. E todos os anos o mesmo drama: perturbadas pela transparência dessas aberturas envidraçadas, e em frente uma das outras, um bom par de andorinhas atiram-se de cabeça contra a clarabóia. Por isso, nada de escrita esta manhã. Abro a clarabóia norte e a dupla janela sul, e mergulho na nossa cama. E ali ficamos nós ocupados por uma manhã em observação de esquadrilhas de andorinhas a atravessarem este nosso esconderijo, de repente silenciosas, intimidadas talvez por estes dois corpos alongados que as vêm passar em revista.
Poc! Ei-las caídas no tapete.
Então, um de nós dois levanta-se, pega na aturdida andorinha na concha da sua mão – não pesam nada, esses ossos cheios de ar –, espera que ela acorde, e encaminha-a a juntar-se às companheiras. A ressuscitada, ainda um pouco grogue, ziguezagueia no espaço reencontrado, depois pica a fundo para o sul e desaparece no seu futuro.
E pronto!, a minha metáfora vale o que vale mas é a isto que se assemelha amor em matéria de ensino, quando os nossos alunos voam como pássaros loucos: fazer sair do coma escolar uma caterva de desorientadas andorinhas.
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
Guantánamo - E.U.A. a nú
- Prólogo
- Introdução
- Antecedentes das relações de Cuba e Estados Unidos
- A intromissão norte-americana na guerra hispano-cubana
- A ocupação militar de Cuba pelos Estados Unidos
- O expansionismo dos Estados Unidos nos finais do século XIX
- A base naval dos E.U.A. na baía de Guantánamo
- Uma usurpação a nú
- A base naval ianque na baía de Guatánamo: ponto de apoio da tirania de Fulgêncio Batista
- Provocações e agressões a partir da base dos E.U.A. em Guatánamo contra a Revolução Cubana
- Repercussão internacional da base dos E.U.A. em Guatánamo
- A continuidade de uma ignomínia
- Epílogo
- Anexos
- - Resolução conjunta aprovada pelo Congresso norte-americano a 18.04.1898
- - Protocolo de termo de hostilidades entre Estados Unidos e Espanha
- - Tratado de Paz entre Espanha e os Estados Unidos, assinado em Paris a 10.12.1898
- - Texto da Emenda Platt
- - Convénio entre Cuba e Estados Unidos para arrendar aos E.U.A. terras de Cuba para estações carboníferas e navais
- - Regulamento que determina as condições de arrendamento de Guantánamo e Baía Honda
- - Tratado para ajustar o título de propriedade da Ilha de Pinos entre Cuba e Estados Unidos
- - Troca de notas sobre reservas do Tratado para ajustar o título de propriedade da Ilha de Pinos
- - Tratado de Relações de 1934 com os Estados Unidos
- Bibliografia
domingo, fevereiro 22, 2009
Mais duas linhas de Chagrin d'école
sábado, fevereiro 21, 2009
Anti-marxismo militante
Agarrei no primeiro livro que encontrei sobre Marx e o trabalho em cuja contra-capa leio:
«Esta abordagem, opondo-se à imagem de um pensamento dominado pelo proodutivismo e o positivismo científico, aclara o carácter antropológico do trabalho do trabalho e permite a abertura dos conceitos de Marx a outros saberes.»
Chagrin d'école
sexta-feira, fevereiro 20, 2009
A "efeméride do dia" - 5
4. Se o que feriu a sensibilidade de V. Ex.ª e determinou a sua decisão foram as alusões, mais que genéricas, à incompatibilidade das ideias darwinistas e da investigação científica com as crenças católicas acerca da origem do mundo e do homem, julgo ser legítimo (sem que isso tenha alguma coisa a ver com política) que qualquer pessoa se pronuncie por umas ou por outras. Aliás na minha carta referia-me à teologia e à teleologia em geral, não abordando nenhuma das mil questões referentes ao catolicismo e à ciência que poderia eventualmente ter abordado. Não sei se V.Ex.ª já leu a Bíblia. Eu li mais que uma vez e com a atenção devida. Não sei se também V.Ex.ª já conversou a este respeito com cientistas católicos quem tenham lido a Bíblia e conheçam a obra de Darwin (não daqueles que defendem a primeira e criticam a segunda, sem jamais terem folheado nem uma nem outra). Eu já conversei e alguma coisa aprendi com eles. Não tenha V.Ex,ª a mínima dúvida de que qualquer antropologista católico se debruça com mais atenção sobre os restos de Neandertal ou de Cro-Magnon do que sobre o número de gerações contadas desde Adão pelos velhos escritores hebraicos; de que qualquer geólogo católico atende mais aos Princípios de Liyell do que à Génese; de que qualquer zoólogo ou botânico católico não ignora nem pretende ignorar Darwin. Ninguém mais do que eu respeita as crenças alheias, como infelizmente não respeitam as minhas. E se um homem culto, ou mesmo apenas instruído, me disser (não por conveniências de qualquer natureza, mas com íntima sinceridade) acreditar nas origens da terra e do homem como o Velho Testamento as descreve, se me disser que a sua inteligência aceita melhor a Génese do que a Origem das Espécies ou os resultados de Laplace, de Newton, de Lyell, isso não faz mais do que comprovar a minha convicção do grande poder que sobre as almas e as inteligências têm as crenças religiosas. Não penso entretanto que exista no mundo um único homem de ciência (seja qual for a sua crença) que se sujeite ao ridículo de defender a imutabilidade das espécies. Nem algum historiador que, no século xx, se sujeite à aventura de estudar pré-história como o fez frei Bernardo de Brito. Mas, Sr. Director, qualquer que seja a opinião que se possa ter sobre este assunto, que tem isto a ver com “política” e com “comunismo”? Que tem isto a ver com ideias que um preso não pode manifestar?
5. Neste momento sou um preso escrevendo ao Director da Cadeia onde me encontro. Sei o que esta situação implica. Mas se me fosse lícito esperar que V.Exª pudesse meditar, apenas com a sua inteligência e o seu espírito crítico, sobre o que nesta carta digo, não tenho dúvidas de que acordaria em que não refiro factos controversos e em que algumas das minhas ideias não excedem conhecimentos elementares ou meras indicações de senso comum (…)»
Há ainda, nesta reclamação ao director, um ponto 6 em que Álvaro Cunhal coloca problemas da sua situação prisional que são do maior interesse, quer pelo que revelam das condições em que vivia, quer da sua admirável postura de resistência e verticalidade, e de que o “homem de cultura geral”, economista e militante, recomenda vivamente a leitura. Bem como do “post” em ocastendo. Que pode ser lido aqui.
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
A "efeméride do dia" - 4
(continuação)
3. A mim mesmo pergunto: terá sido considerado “ciência comunista” a aceitação da evolução das espécies e da origem animal do homem? Ou afirmar haver na obra de Darwin algumas conquistas definitivas da ciência? Será mesmo exacto (aqui não se trata sequer de uma orientação) referir a campanha de silêncio sobre a obra de Darwin e atribuir a causa desse silêncio ao que tal obra afirma ou implica acerca da origem do homem e do mundo e do carácter transitório das sociedades humanas? Será “ciência comunista” afirmar que, no estudo das ciências biológicas antes de Darwin, estavam presentes a teologia e a teleologia e que a negação de Darwin conduz de novo à intervenção duma e de outra? Será “ciência comunista” afirmar as limitações de Darwin no estudo do homem e das sociedades humanas? E que na evolução do homem intervêm factores sociais? E que os sentimentos humanos, os pensamentos humanos, as noções de beleza, de bondade, de justiça não são comuns (ainda que em grau diferente) a moluscos, insectos, peixes, aves e mamíferos (incluindo o homem), mas especificamente humanos, diferenciados de povo para povo e mesmo dentro do mesmo povo através da história? E que no mundo animal e vegetal e na transformação das espécies, assim como na história das sociedades humanas, não se verifica o preceito de Leibniz (natura non fecit saltus [1]) mas há que dar uma grande atenção aos “saltos bruscos” (as “mutações” ou as invasões bárbaras, por exemplo)? Será menos verdadeiro dizer que Darwin manifestou desprezo (“cientificamente” fundamentado e explicado em numerosas passagens pelos “selvagens”, pelas outras raças, pelas mulheres? Confesso, Sr. Director, que não enxergo aqui (e está aqui condensada toda a passagem censurada da minha carta) qualquer ideia que não seja ou não possa ser aceite por qualquer homem com um mínimo de instrução e que preze a verdade, embora nada tendo de comunista, nem no pensar nem no agir.
(continua)
______________________________________
[1] - Em latim no original: A Natureza não dá saltos. (N. Ed.)
A "efeméride do dia" - 3
«6 de Outubro de 1951
Ex.º Senhor Director da Cadeia Penitenciária de Lisboa
Álvaro Cunhal, preso nesta Penitenciária, vem, perante V.Ex.ª, expor o seguinte:
1. Foi-me hoje devolvida uma carta, que tinha escrito a minha família, com a indicação de não poder seguir, por conter “ciência comunista”. Dada a minha surpresa e o meu pedido para me serem indicadas as passagens da carta que motivaram essa opinião e a decisão correspondente, fui esclarecido que se tratava de tudo quanto nela se dizia acerca da obra de Darwin. Embora eu soubesse o que tinha escrito e, como sempre, me tivesse esforçado (dada a minha situação) para não dizer tudo quanto penso, fui ler e reler a carta censurada. E se, ao ser-me comunicada a decisão acima referida, senti apenas surpresa, depois de nova leitura do que tinha escrito fiquei verdadeiramente perplexo.
2. Se eu tivesse abordado, em volta das teorias darwinistas e à base do marxismo-leninismo, alguns dos problemas cruciantes da sociologia contemporânea; se, em confronto com Darwin, tivesse abordado as formas de selecção na sociedade dividida em classes e aproximado a selecção natural da luta de classes; ou se, contra Darwin, tivesse mostrado como a exploração económica e a opressão política levam muitas vezes à “selecção dos piores”; ou se tivesse abordado o problema da revolução proletária, do socialismo, do desaparecimento das classes e da evolução subsequente da espécie humana; ou se tivesse mostrado como a struggle for life darwinista não era mais que a concorrência e a luta na sociedade burguesa transplantada para o reino animal e vegetal e uma verdadeira declaração de guerra da burguesia ao proletariado; se tivesse estudado à luz destas noções a sociedade portuguesa contemporânea e alguns aspectos da política seguida actualmente em Portugal – então bem justificado seria que V.Ex.ª considerasse existir na minha carta uma exposição de ideologia comunista. E, dado o regime de falta de liberdade existente em Portugal, seria para mim compreensível que, nesse caso, exercesse a sua censura. Mas, quando tem havido e continua a haver da minha parte o cuidado de não só afastar dos meus estudos problemas como os apontados, como de não abordar na correspondência que possam ser levadas à conta de “políticas”, sinceramente digo que não compreendo a decisão.
terça-feira, fevereiro 17, 2009
A "efeméride do dia" - 2
«Tenho estado a fazer uma revisão geral das duas obras de Darwin a fim de ordenar em apontamentos algumas ideias fundamentais. Não só me foi muitíssimo útil esta leitura – dum modo geral pelo que aprendi e, em particular por me permitir um mais completo esclarecimento de um problema em estudo para o ensaio sobre a questão agrária que estou preparando – como me deu profundo prazer. Se é certo que na Descendência do Homem, várias centenas de páginas sobre os “caracteres sexuais secundários” em todas as classes do reino animal se tornam por vezes (só por vezes) um tanto pesadas, há tanto nesta obra como principalmente na Origem algumas conquistas definitivas da ciência e tudo o resto (mesmo quando não é acertado) é extremamente educativo e chega a ser entusiasmante. Contudo, quando se lêem alguns livros escritos e publicados no século xx e quando se ouvem certos conferencistas e outros discursadores, dir-se-ia que Darwin nunca existiu, que nunca foi escrita a Origem das Espécies e que o grande passo dado pela biologia no século xix continua por dar em grande parte do mundo. Há muito que se faz uma verdadeira campanha de silêncio sobre a obra de Darwin. Nos laboratórios e no domínio da técnica aproveitam-se os resultados práticos. Mas em público negam-se as suas ideias teóricas. Não me recordo de ter ouvido o seu nome nos bancos das escolas, nem me consta que haja referências à selecção natural nos livros de “ciências naturais” para estudos secundários. Compreende-se uma tal campanha de silêncio. O evolucionismo nas ciências biológicas (assim como na geologia), além de tudo quanto afirma e implica acerca da origem do homem e do mundo, traz consigo (embora contra a intenção de Darwin) a ideia particularmente indesejável de que também as sociedades humanas evoluem, também nas sociedades humanas nada há de permanente e eterno. Lyell, que descobriu a evolução geológica, duvidou longos anos da evolução das espécies. Darwin, que descobriu a forma da evolução das espécies, nunca compreendeu a evolução do homem e das sociedades humanas. E, contudo, estas conquistas, no domínio da geologia, da biologia e da sociologia, não são de forma alguma divergentes. Mas Lyell só cerca dos 70 anos e contra os seus próprios sentimentos e crenças se rendeu à evidência dos factos e aceitou o transformismo. E Darwin não pôde sair de um grande número de limitações que lhe tolhiam a investigação acerca do homem, não na sua estrutura física (em que foi mestre), mas na sua vida social e na sua actividade intelectual. Respondendo a um autor que lhe oferecera uma obra fundamental de economia política, Darwin escrevia ser apenas um naturalista e nada perceber dessas questões…[1] A resposta não foi sincera, pois Darwin bebera em Malthus a sua struggle for life e a sua “selecção natural”. Mas essa resposta explica a sua impossibilidade de ver além do acanhado horizonte do seu extracto. Daí ter considerado a evolução do homem no ponto de vista exclusivamente biológico como se nela não interviesse fundamentalmente a vida social. Daí ter considerado as superstruturas ideológicas como de natureza puramente animal (e não de origem social) e ter não só aproximado (como seria legítimo) mas identificado as emoções e os sentimentos humanos com os das outras espécies animais. Daí ter aceitado a existência de conceitos universais e imperecíveis como do belo, do justo e do bom. Daí a sua aproximação de certas raças humanas com os animais inferiores não compreendendo as razões do seu atraso e as possibilidades de o superar. Daí a sua incapacidade para compreender que as transformações quantitativas se transformam em qualitativas e a consequente evolução por saltos bruscos, tanto no campo biológico como no social. Daí o seu desprezo pelos “selvagens”, o seu racismo, o seu antifeminismo, o seu espírito marcadamente britânico e whig[2]. Só ideólogos dum novo e ascendente extracto poderiam e puderam romper essas limitações, vencer essas dificuldades e resolver o problema da evolução do homem como evolução distinta (a partir do momento em que criou e empregou instrumentos de trabalho) da evolução das outras espécies vivas. Darwin não pôde alcançar que, desde esse momento, o homem, com um propósito consciente, passou a agir sobre a natureza e a transformá-la. Apesar porém dessas limitações, os resultados fundamentais obtidos por Darwin não só afastaram de vez a teologia e o finalismo do campo das ciências biológicas, como se mantém de pé nos dias de hoje. Antes de Darwin estudava-se a biologia com a ideia formada da imutabilidade das espécies e o próprio Darwin, a declarar a 1ª vez o seu convencimento da evolução, dizia parecer-lhe “estar a cometer um assassínio”. Depois de Darwin só é possível o estudo da biologia iluminado pela ideia da evolução; só é possível o estudo da pré-história iluminado pela ideia de que o homem provém duma espécie inferior desaparecida; e no domínio dos outros ramos da ciência (geologia, embriologia, etc.) não pode haver um estudo científico se se ignorar Darwin. Negando-se Darwin, a ciência volta à sua fase teológica e medieval.»
[1] - Trata-se de carta datada de 1 de Outubro de 1873 em que Darwin agradece a Karl Marx a oferta que este lhe fizera de um exemplar de O Capital.
(ainda se sublinha o facto de Álvaro Cunhal não ter referido o nome do "autor da obra fundamental” tratando-se de carta que iria passar pela censura da prisão - SR).
[2] - grupo político do parlamento britânico (conservador) no século xix.
(nota de SR).