segunda-feira, agosto 04, 2008

O teatro no con(tra)texto

O teatro no con(tra)texto
(ensaiozinho)


No teatro, há três componentes:
  • O texto
  • A sua interpretação
  • - pela voz dos intérpretes
  • - pela expressão corporal dos intérpretes
  • O “ambiente” criado pela cenografia (o espaço – também onde e como integrar o público na inter-acção –, a iluminação, o som)

Por isso, há quem considere o teatro a arte das artes, com o encenador a ser o coordenador de todo o trabalho colectivo que o teatro exige. O trabalho do tratamento do texto, o dos actores, o da luz, o do som, o dos coreógrafos, o dos pintores-cenógrafos, o dos músicos, o dos carpinteiros, dos contra-regras, e alguns que já não. Isto digo eu, que de teatro apenas gosto muito, e há muitos anos.
As duas últimas representações ditas teatrais a que assisti agradaram-me imenso. Mas deixaram-me a pensar.
Num caso, porque não estive a assistir a/participar em um espectáculo teatral, estive a assistir ao trabalho visível e espectacular de Maria João Luís, decerto respeitando as instruções do encenador invisível, num discreto espaço cénico apropriado para aquela exibição. Mas… e o texto? Não senti a preocupação de que o texto (e era, ao que me apercebi, muito boa a tradução) chegasse perfeitamente audível ao espectador – a quem se contava a história, ali ao vivo.
Aplaudi calorosamente a Maria João Luís, gostei daquilo a que assisti… mas fiquei a pensar.

Ontem, fui ver, no Meridional teatro, Cabo Verde – contos em viagem. Como é de uso (*) dizer, em boa hora segui o conselho: “não percam!”. É mesmo de não perder, ou era porque foi a última representação.
Por obra e arte de Carla Galvão (e do excelente Fernando Mota), viajei por Cabo Verde, num regresso sempre desejado (“bai é magoado, bem é doce”). Num espaço cénico que nos colocou, aos que se sentaram naquelas cadeiras, onde se queria que estivéssemos (e onde queríamos estar), com o som ali feito sem truques mas quase com magia, a voz e o corpo de Carla Galvão contaram-nos, e fizeram-nos saborear estórias caboverdeanas, com as palavras de tantos (e tão bons) autores que tão bem conhecemos. Mas… os textos, desses autores, foram subalternizados, misturados, amalgamados. E não num texto novo.
O texto tornou-se pretexto, e não foi elemento essencial do acto teatral. Do espectáculo de uma mulher-só, que aplaudi até me cansar, por muito injusto que dizer isto seja para Fernando Mota.
E esta é outra questão que me faz pensar. Parece que o teatro, estes dois actos teatrais a que fui assistir – em que fui participar –, está a transformar o trabalho colectivo que se apresenta ou representa em exibição individual de um trabalho colectivo que se apaga. Diria um vizinho meu, que tem o hábito de repetir o que outros dizem, sinais dos tempos.

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(*) - bilhete do espectáculo, também comprovativo que sou "anormal" (por ter mais de 65 anos!) pois os "normais" pagavam 10 euros!

3 comentários:

Maria disse...

Já percebi que ando a pagar cara esta minha preguiça de sair de casa com o calor que faz... pelo que tenho perdido por aí...

Justine disse...

Não sei se estou totalmente de acordo contigo: monólogos sempre houve no teatro, e não é por isso que não se vê claramente no trabalho final o trabalho de todos os outros técnicos. E o texto foi sempre apenas um elemento de espectáculo de teatro, uma vezes mais importante que outras. Neste caso, nem sequer eram textos dramáticos,e acho que a adaptação dos textos literários estava excelente!
Mas ainda bem que dá que pensar:))

Sérgio Ribeiro disse...

Dificilmente poderias estar de acordo comigo porque eu não estava bem a expressar um juizo, estava a pensar e a teclar.
Claro que monólogos sempre houve no teatro. Sobre textos. E até sem textos. Nos "mimos".
Terá sido a ocorrência de duas representações com estas características que formaram uma amostra que nem será significativa.
De qualquer modo, insisto em que os textos foram menos-prezados nos dois actos teatrais. No primeiro, perde-se grande parte dele (e houve quem protestasse, injustamente para a Maria João Luís porque a "culpa" seria do encenador), apesar da percepção da bondade da tradução, no segundo, nhô Balta, Aurélio, Manuel Lopes e etc. são mesmo... pretexto. Apesar da Carla dizer palavras que eles escreveram mas, insisto, no que me pareceu uma amálgama em que se perdeu a identidade dos textos na riqueza da expressão corporal... e do som do Fernando Mota. E, também insisto, gostei!
Mas que querem?, sou... anormal, só paguei 8 €!