sábado, agosto 30, 2008

Pátria, lugar de exílio

Porquê, Daniel Filipe?
Porquê começaste o dia, aquele preciso dia primeiro de Maio de 1962, exilado na pátria, antes de começar as canções, que cinco são?
E porquê terminaste o dia, esse exacto dia primeiro de Maio de 1962, podendo finalmente sorrir sem amarguras? Porquê?
Pelo que tão belamente nos contas, codificadamente, nas cinco canções entre o começo e o fim do poema.
Porque estiveste, nesse preciso e exacto dia primeiro de Maio de 1962, no Rossio.
.
Tu o dizes, depois da 3ª canção:

Aqui às três da tarde
posso olhar-vos sem medo
e dizer-vos . aqui estou
O poeta é um operário
(Maiakovski)
aprende depressa a matar-me
o poeta é o inimigo

E grita-lo, a quem?
Aos que, depois da 4ª canção, vês assim:

Como lobos de súbito
irrompem na planície citadina
carregados de morte
.
Seu nome é violência
Trazem nas mãos mortíferos sinais
e de órbitas vazias
.
caminham em silêncio
envoltos na terrível solidão
do crime encomendado
.
Marginam as esquinas
escondem o rosto sob o aço liso
dos negros capacetes
.
e anónimos ocultos
pela espessa cortina de ódio e névoa
como robots avançam
.
A morte engatilhada
espera o momento de partir . Agora
Cumpra-se o ritual
.
Uma voz grita . Viva
a liberdade . O coro lhe responde
pontuado de tiros
.
Canalhas . Temos fome
Arranquemos as pedras da calçada
Ó meu amor resiste
.
Resiste de olhos secos
Sem lágrimas . Sem medo . Só talhada
no silex da ira
.
Pronta a dar corpo ao sonho
e entanto testemunha do martírio
companheira e amante
.
De mãos dadas cantando
abrimos flores às balas assassinas
merecemos a vida
.
Que força. Que belo!
E, depois, vem a 5ª canção, a última.
Mas não só o gritava a estes, aos canalhas, como o sussurrava beijando o ouvido da companheira e amante. Também o fazia para si, e para outros.

3 comentários:

Justine disse...

Grito de ira e revolta, mas também grito e amor. Que belo.

Maria disse...

Estou a gostar desta conversa com o Daniel Filipe, e a "controlar-me" para não transcrever aqui um poema dele...
A luta e o amor, de mãos dadas...

Abreijo

Sérgio Ribeiro disse...

Amanhã sai mais um pedaço do que é uma viagem pela memória, pela amizade, pela luta. Já está a aguardar postagem ( e é muito... delicado). E devo terminar, se for capaz..., na 2ª feira (ou talvez na 3ª).