segunda-feira, julho 23, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 43

Até pode parecer que Mestre Aquilino faz o cavalo de pau andar às arrecuas. É que, depois de tanto caminho com Cervantes e com Quixote, no capítulo IX, a aproximar-se da página 200, vem contar-nos das "controvérsias a quatro" que antecederam e acompanharam as aventuras do engenhoso fidalgo quando Alonso Quixano era ou a ele voltava para recuperar de tanta tareia que D. Quixote levava. Conversas com o bacharel (Sansão Carrasco), o barbeiro (Mestre Nicolau) e o cura (Pero Pérez). Não será assim. Aquelas controvérsias - que sobretudo eram entre o cura e o bacharel, que o futuro D. Quixote, "menos lido em teologia do que em novelística", coçava o toutiço que muitas voltas dava, e o barbeiro quase só ouvia - estariam bem em qualquer lugar (do livro) e em qualquer tempo (da história).
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A Alonso Quixano preocupava-o sobretudo o problema do mal (...) Simão Carrasco, um dia, à puridade, com brusquidão formulou o terrível raciocínio: bem e mal em si não existem. Bem e mal são os termos em que se processa a luta pela vida. (...) Ter mesa farta, fêmea ou fêmeas para o gozo, a habitação que convém, vestir-se condicentemente com as estações, ser respeitado e temido, eis grosso modo os requisitos que na vida da espécie e, gradativamente, na do indivíduo, determinam os actos do bem e do mal. Ora no dia em que o homem encontre a satisfação das necessidades fundamentais, sem recorrer à violência, ao suborno, ao esbulho mercê de qualquer espécie de predomínio, está esconjurada a peste do mal humano. O homem não será anjo, mas poderá chamar irmão ao seu semelhante.
- E o meu senhor que faz dos templos? - observou sem acrimónia, mas com ar dissaborido, o licenciado Pero Pérez, que ainda ouvira o resto da proposição.
- Resta sempre na vida muito de impenetrável que fornecerá ao homem um pretexto plausível para continuar a tremer maleitas metafísicas - respondeu Sansão Carrasco, com humor.
Para Alonso Quixano, admitindo que o homem, segundo a lição do Resgate, tivesse recuperado o gozo do livre arbítrio, desligado por conseguinte da condenação primeira, certas pessoas eram mais responsáveis do que nunca pelo mal que continuava a lavrar à superfície da terra. Sobretudo os poderosos, os fortes, esses que faziam a lei e articulavam a justiça, e os seus executores, que de coração venal ou leviano cometiam os maiores atropelos contra a humanidade.
Por isso mesmo Alonso Quixano, o Bom, se sentia impelido para a missão augusta que os livros de Cavalaria inculcavam.
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Mas que estou eu a fazer? Isto não é para transcrever tudo. É para abrir apetites para leitura. Páro já. E vou à vida. A outras vidas. Tão torto está o mundo, e eu aqui deleitando-me à desmedida com a escrita sobre quem ensandeceu por tanto o ter querido endireitar. Até breve.

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