quinta-feira, janeiro 04, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 1

Reler Aquilino, reler o No cavalo de pau com Sancho Pança, é, para mim, intraduzível. Sinto uma sensação de gozo, de saborear, talvez maiores por serem um gozo e um saboreamento adiados .
A acompanhar a tradução do D. Quixote, e antes, e depois, Aquilino documentou-se, estudou, comentou, escreveu sobre Cervantes, a sua vida, o D. Quixote (e o Sancho Pança) que criou.

Cada página quase convida a ser transcrita. Como estímulo à leitura (e não só de Aquilino), vou aproveitar textos sem a certeza de que serei capaz de travar, de não ser excessivo.
Começo pela página 17, em que, ao esboçar o retrato da família de Cervantes, Aquilino escreve:

"(...) O patriarca, Rodrigo Cervantes, era barbeiro-cirurgião, mal-avindo de clientes devido à surdez. O que lhe valia era ser pai de umas raparigas fanchonaças, que representam sempre o melhor chamariz de freguesia em qualquer ramo de negócio. Ao tempo, a arte médica consistia, mais que tudo, em sangrar, sarjar um leicenço com a mesma lanceta da flebotomia, levantar a espinhela caída. Encanar um braço ou perna partida, mediante uma chapada de pez e canas laminadas, era função particular dos algebristas, que mais correntemente chamavam endireitas. Ao tempo revinha ainda aos barbeiros fazer a barba, enfeitar e vestir aos defuntos de qualidade, e desta função piedosa auferiam os melhores réditos(...)"

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