Introdução
Nas minhas leituras em áreas diversas, várias vezes encontro a expressão “o homem e as suas circunstâncias”, que tem uma enorme carga ideológica. Decerto Ortega y Gasset merece a honra da “paternidade” da frase, devendo, por isso, reproduzi-la como ele a disse - "o homem é o homem e as suas circunstâncias (as suas circunstâncias, ou seja aquelas que condicionam a sua existência e o seu agir).
Como em algumas dessas leituras vi quem se apressasse a colocar o h em maiúscula e/ou a acrescentar a mulher, lembrei-me há pouco, numa leitura em que estou, que, por extensão, também se poderia dizer que “o gato é o Gato e as suas circunstâncias”.
O cá de casa
Olho para o Mounti, observo-o, e vejo-o ser as suas circunstâncias. Com a sua ascendência de fera, de lince – calda curta e muito larga – caçador emérito, predador, está outro nesta fase da sua vida. Com a idade, socializou-se. Aos poucos, veio aceitando os humanos depois de ter, não facilmente..., aceite estes que se julgam seus donos. Aparece. Mostra-se. Deixa até que alguns dos visitantes (desde que não crianças, e elesaberá porquê) se aproximem e lhe façam festas. O que, nos primeiros meses e anos, era impossível. Dir-se-á que é a idade. E é. Mas não é só.
No início da nossa convivência, a sua postura era, sempre, a de defesa-fuga ou ataque perante um meio ancestralmente hostil. Um ruído, um gesto brusco, um pé que se aproximava, eram riscos certos. Que passaram a ser potenciais. Que passaram a ser dúvida. Que deixaram de ser ameaça ou desconfiança. A sua existência foi sendo condicionada diferentemente e os seus agires foram sendo diferentes.
As circunstâncias do Mounti
Nas minhas leituras em áreas diversas, várias vezes encontro a expressão “o homem e as suas circunstâncias”, que tem uma enorme carga ideológica. Decerto Ortega y Gasset merece a honra da “paternidade” da frase, devendo, por isso, reproduzi-la como ele a disse - "o homem é o homem e as suas circunstâncias (as suas circunstâncias, ou seja aquelas que condicionam a sua existência e o seu agir).
Como em algumas dessas leituras vi quem se apressasse a colocar o h em maiúscula e/ou a acrescentar a mulher, lembrei-me há pouco, numa leitura em que estou, que, por extensão, também se poderia dizer que “o gato é o Gato e as suas circunstâncias”.
O cá de casa
Olho para o Mounti, observo-o, e vejo-o ser as suas circunstâncias. Com a sua ascendência de fera, de lince – calda curta e muito larga – caçador emérito, predador, está outro nesta fase da sua vida. Com a idade, socializou-se. Aos poucos, veio aceitando os humanos depois de ter, não facilmente..., aceite estes que se julgam seus donos. Aparece. Mostra-se. Deixa até que alguns dos visitantes (desde que não crianças, e elesaberá porquê) se aproximem e lhe façam festas. O que, nos primeiros meses e anos, era impossível. Dir-se-á que é a idade. E é. Mas não é só.
No início da nossa convivência, a sua postura era, sempre, a de defesa-fuga ou ataque perante um meio ancestralmente hostil. Um ruído, um gesto brusco, um pé que se aproximava, eram riscos certos. Que passaram a ser potenciais. Que passaram a ser dúvida. Que deixaram de ser ameaça ou desconfiança. A sua existência foi sendo condicionada diferentemente e os seus agires foram sendo diferentes.
As circunstâncias do Mounti
Num ambiente em que não há agressividade, em que raro uma voz se eleva – a não ser, por vezes, para um rir mais alto – em que os pés não pisam ou dão pontapés, em que as mãos não batem mas afagam, o nosso Mounti foi sendo o que as circunstâncias foram fazendo dele.
Não deixou de ser uma “fera”, não se desabituou de caçar, o seu corpo está em permanente exercício e treino como se tivesse jogos olímpicos à porta. Mas é uma fera amansada. Cheia de ternura e de pequenos gestos de convivência.
Evidentemente que, nas nossas circunstâncias, naquilo que condiciona a nossa (humana) existência e agir, também entra e muito a existência, a presença, o comportamento do Mounti. Pelo que ele pede, pelo que ele “diz”, pelo que ele impõe como pequenas rotinas (e, por vezes, inesperads exigências).
Acabo de lhe escovar o pêlo como todas as manhãs é ritual, onde e como ele quer, de pôr a torneira em pingo-a-pingo como ele me pede-ordena, tive de lhe mudar o prato da comida porque ele me fez ver que aquela que lá estava já não era suficientemente fresca.
Por isso, o que estou a ler de Rubem Fonseca me trouxe a esta reflexão. À Ortega y Gasset. Ora toma!
A Elizabeth Feijão
“Elizabeth Feijão era uma gata siamesa vesga, de olhos azuis. Nascera na casa de uma japonesa chamada Mitsuko, que a habituara a comer sardinha crua. Quando foi para minha casa aprendeu a comer ovos, carne, feijão com arroz, mouros e cristianos, à maneira cubana. À medida que envelhecia, Elizabeth, além de de tornar-se rabujenta, passara a exigir, como vitualhas, apenas sardinhas frescas, recusando-se a comê-las se antes tivessem sido congeladas e protestando com insistência e veemênacia se fossem colocadas no seu prato.
(…)
Quando jovem Elizabeth raramente se manifestava, o único ruído que produzia regularmente era o das unhas sendo afiadas no carpete ou nos estofos das poltronas. Era preciso que lhe pisassem o rabo, ou coisa pior, para que emitisse uma pequena miadela. Mas agora dava lancinantes gemidos sem motivo aparente, só cessando quando eu lhe pegava ao colo e lhe dava beijos e falava com ela. Passara a detestar a solidão, um dos grandes prazeres dos gatos jovens e saudáveis. Quando eu chegava a casa, do escritório, ela me seguia pela casa, da maneira indigna dos cães, implorando carinho.”
(pág. 39)
4 comentários:
gostei disto, ó sinhor homónimo, pá. muito.
Eu cá também, muitíssimo, e não só pelo que está escrito e pelo modo como está escrito.
Cá por coisas!
Devia "obrigatoriamente" ser-se uma pessoa assim, para ter licença de ser "dono" de gato.
Um escriba (e ilustrador...) fica mesmo jubiloso com comentários destes num blog perdido na blogosfera.
Fica surpreendido e "sastifeito", embora goste mais da forma-papel em que está o mesmo "ensaio".
Este blog que era uma nostalgia (por enquanto) vai reanimar-se.
Obrigado pelo vosso estímulo.
braços
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