Quais as fronteiras? Para além da linha divisória entre o real e a ficção, onde colocar, na ficção, a fronteira entre o que é ficcionar a realidade e o que é "chafurdar no lixo" que se diz ser investigação e se apresenta - e publica - como biografia de gente pública, de um escritor em concreto, com o pretexto de lhe fazer justiça, de "repô-lo no lugar que ele merece", isto é, de o tirar da ausência de notoriedade, da morte com esquecimento da obra?
Essas linhas divisórias, essas fronteiras para além e aquém de cada um dos lados, são, em Roth, os caboucos, ou as traves mestras, ou os tijolos de Exit - o fantasma sai de cena.
Página 102, pergunta Kliman a Zuckerman: «Porque insiste em trivializar aquilo que eu me proponho fazer? Porque tem tanta pressa em amesquinhar aquilo que desconhece por completo?»
E continua o diálogo, azedo e sem ponto de encontro:
«"Porque o sórdido chafurdar no lixo que se apresenta como investigação é certamente a mais baixa das fraudes literárias"
"E o chafurdar desenfreado que se apresenta como ficção?"
"Agora é você que me caracteriza a mim?"
"Estou a caracterizar a literatura. Também ela alimenta a curiosidade. Diz que há qualquer coisa para além da imagem que queremos dar - chamemos-lhe a verdade do eu. Não estou a fazer mais nem menos do que aquilo que você faz. Do que faz qualquer ser pensante. É a vida que alimenta a curiosidade."»
Sem ponto de encontro... Com uma ruptura. Uma das rupturas que se encontram nas páginas do romance.
«"E, sendo assim, pensei, ao desafiar a juventude e a o expor-me a todos os riscos de uma pessoa desta idade que se envolve com pessoas daquela idade, não posso deixar de acabar cheio de sangue, uma chaga que é um alvo grande e gordo para jovens ignorantes, estuantes de saúde e armados de tempo até aos dentes. "Estou a avisá-lo, Kliman - deixe Lonoff em paz."
(...)
"Você tresanda", berrou-me ele, "você cheira mal! Volte de rastos para o seu buraco e morra lá". Em passo atlético, ágil e solto, arrancou, lançando por cima do ombro musculoso: "Você está a morrer, velho, não tarda que esteja morto! Cheira a podre! Cheira a morte!"
Mas que sabia um sujeito como Kliman sobre o cheiro da morte? A única coisa a que eu cheirava era a urina.»
Para simplificar e ironizar: conflito de gerações. Ou... a partir de que idade se sabe a que cheira a morte?
Um comentário:
Faz parte da minha lista desde que a Justine o divulgou no Quarteto.
Mas as tuas várias crónicas vão obrigar-me a ir, amanhã, à procura dele. Antes que seja tarde. Para me fazer companhia nas noites sem trabalho (se é que vai haver...)
Beijo
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