Ao entrar na estação/capítulo XIV, logo deparamos com Passos na arada, seguidos de A misoginia de Cervantes e de D. Quixote orador socialista. É aliciante. E tanto que paramos nesta última passagem.
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O lado fraco de D. Quixote está na retórica. Algumas vezes lembra um mestre de Salamanca nas Orações de Sapiência, outras vezes um deputado discursando em Cortes. D. Quixote é um arengador e moralista à maneira tão predilecta dos pregadores e exegetas castelhanos, salvo a sapiência e os versículos da Sagrada Escritura.
A discriminação do género humano em classes e suas estirpes, com um desdém manifesto pela ralé e conceitos ridículos quanto à natureza do homem, mostra a pouca ou nenhuma cultura sociológica de Cervantes. A página respectiva, embora escudada na pedantaria didáctica dum mentecapto, é do pior que se escreveu. Quando o novelista sai do terreno da vida comum e entra a discorrer sobre altos temas em estilo de lente, temos droga. o D. Quixote, homem de baldões e tropeçadas, arrancou-o da pele.
(...)
À medida que se vai desenrolando o D. Quixote de la Mancha, a figura do Engenhoso Fidalgo bem como a de Sancho vão-se sublimando. Cervantes acaba por enternecer-se com o seu herói, não digo apiedar-se, que um castelhano não sabe o que é piedade, mas toma-lhe amizade. Parece que sofre com os seus infortúnios e naturais percalços. Por outro lado, as suas loucuras, cambalhotas e extravagâncias já não são tão grotescas. São partes gagas dum doido da família, coitado!
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Que delícia!
E, sobre a primeira parte desta transcrição, lembre-se que o livro foi publicado em 1961!
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