sábado, outubro 24, 2009

Leite Derramado, Chico Buarque - 2ª nota-transcrição

"... Porque talvez tivesse a intuição de que em breve os tempos seriam outros, e meu pai jamais se prestaria a permanecer num tempo que não era o seu. (...)
Na política, a civilidade daria lugar ao cabotinismo e ao espalhafato, e tampouco vejo meu pai pedindo votos em praça pública, subindo em palanques, apertando a mão de populares, sorrindo para fotografias com a roupa suja de gordura."

(páginas 131/132)










O tempo trouxe-me a certeza de que os tempos são outros, que os tempos de hoje são (de) outros. Não me consinto é viver num tempo que não seja meu. Não nestes tempos que querem que eu aceite como se meus fossem.
Nestes tempos (de) outros, a política, a civilidade, o esclarecimento e o debate têm o espaço ocupado pelo espectáculo e pela ostentação, é o "vale tudo" que prevalece, não me vejo a pedir votos na praça pública a troco de promessas, a subir a palanque para discursos demagógicos, a jorrar ilusões em catadupa, a ir a festas a que não iria, a apertar mãos que não apertaria, a beijar crianças que não beijaria, a sorrir para fotografias em que estaria sizudo se não fosse tempo de eleições.
(Isto digo eu... e teria dito o meu pai)

Um comentário:

Justine disse...

Pois é, é o nosso tempo sem sem o tempo que nós queremos...