segunda-feira, setembro 03, 2007

No cavalo de pau com Sancho Pança - 56

Nisto de observar o mundo... palavra a Mestre Aquilino (pág. 324):
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Nisto de observar o mundo há dois métodos de prospecção. Um que consiste em encarar as coisas no primeiro plano do horizonte. É o processo comum e cómodo, mais condicente com o uso dos sentidos. No primeiro plano, a mulher que amamos é bonita, desejável, cheia de dons. No segundo plano, desdenha-se dela porque há-de envelhecer, tornar-se feia, se não hedionda, matéria pútrida, enfim caveira.
No primeiro plano ama-se a vida, o bem, a glória. No segundo, detesta-se a vida, porque nada há mais transitório, menosprezável, e porque tudo que tem princípio tem fim. Segundo a origem teológica da Terra, tudo começou num nihil mediante uma vontade e acaba em nihil. Também segundo a teoria geológica do nosso Globo, uma série de catástrofes modelaram a sua configuração actual em continentes, mares e ilhas; qualquer catástrofe imprevisível pode produzir nova transmutação, e de uma hora para a outra subverter, com as nossas cidades, o nosso orgulho, a nossa ciência e o nosso património de civilizados. No segundo plano, pois que tudo é efémero, bem e mal, beleza e disformidade equivalem-se na meta de todas as coisas, e tanto vale , enfim, a Vénus de Milo como a estátua de bronze comercial que se vende no bazar. Unamuno via os figurantes do D. Quixote através as lentes fumadas de velho homem, desiluso do plano amável das coisas, de modo geral, às avessas do restante mundo. Dir-se-á: tudo é relativo. Precisamente, a relatividade é ainda, como certeza dialéctica, uma consolação de primeiro plano.
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E pronto. Até já.

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