sexta-feira, abril 03, 2009

Leituras desfasadas da "crise"

Estávamos numa outra livraria, na Arquivo, de Leiria, um espaço de que gosto... apesar de algumas más recordações. Passava os olhos pelas capas, naquele exercício tão agradável (mas não só, nem sempre) de saborear títulos, autores, grafismos. Muitos sobre a "crise". Num me detenho

"43 reflexões de figuras de referência da Universidade e da vida económica portuguesa". Nem um com uma reflexão marxista-leninista, resmunguei e pousei-o. Ou melhor: rejeitei-o. Depois, repeguei-lhe. O Carvalho da Silva? A sua leitura é, decerto, sindical e para "equilibrar" a do João Proença. Folheei-o. Excerto do Krugman? Tinha de ser! Para fechar o livro, esta verdadeira provocação idiota de um qualquer Arnaldo José da Silva dizendo que "Não existe crise!!! Existe sim, uma propaganda negativa e destruidora feita pelas emissoras de televisão em troca de audiência. Desligue a televisão e trabalhe. Você surpreender-se-á com o seu sucesso!"... A culpa dos trabalhadores, claro!, que vêm muita televisão e trabalham pouco...

Em vez de o pousar apeteceu-me atirá-lo porta fora. Mas podia acertar em alguém...

Continuei a folheá-lo. Se calhar estava a fugir de ler a "reflexão" do meu ex- jovem camarada, colega de brilhante carreira académica, do António Mendonça: A natureza da crise actual.

Comprei o livro, claro. Já li umas páginas. As do António Mendonça, obviamente. Que confrontei com umas outras páginas de sua autoria (em colaboração com o Nelson Ribeiro), num outro livro que fui buscar à estante e de que, de vez em quando, me sirvo. Sobretudo de O marxismo e a crise económica actual, um muito interessante (e pedagógico) estudo de autoria desses colegas.

Que experiência curiosa. A edição é da Caminho, na Biblioteca Universidade Popular (do Porto), animada pela saudoso Armando Castro. De 1985. Dos tempos da esperançosa, ilusória, traidora perestroika. Como eles eram marxistas! Como tantos ficaram orfãos da União Soviética! E, hoje, em que estado estão alguns que até pareciam ter uma certa consistência ideológica...

O interessante é que, ao ler o texto de hoje, ele me parece, nalguns trechos, no diagnóstico, uma tradução para "capitalês" de partes do estudo de há quase 25 anos. No meio de uma incontáveis paradigmas e modelos, que até irritariam o leitor mais benevolente, a tradução de capitalismo por economia de mercado e outras, a ausência de qualquer referência a Marx, marxismo, socialismo, mais-valia, exploração, trabalhadores, essas coisas, brrr..., enterradas avestruzmente, por total omissão, como se de um espectro se tratassem (e tratam!).

Daqui deriva, apesar da utilidade das "hipóteses de apreensão das características fundamentais da crise económica actual", desde que retrovertidas para língua de economista sem fantasmas, a codificada conclusão (bem diferente das de 1985, por oportuno esconjuro ou exorcismo) de que a crise económica actual estaria a abrir "um processo de reconfiguração do modelo de organização económica e de intervenção dos poderes públicos que aponta para um maior controlo das dinâmicas de internacionalização das economias e da globalização para uma recuperação dos instrumentos e do papel da política económica a nível nacional e para uma reestruturação e reforço do papel das instituições económicas internacionais. Em síntese (...) é bem provável que a crise actual represente o fim do modelo e do paradigma económico que a crise dos anos 70 do século passado fez emergir, que a crise, posterior, dos anos oitenta consagrou em termos de paradigma e que a expansão dos anos noventa fez consolidar como modelo global." O fim "disto" e o começo de "quê"?
Será "isto" (o modelo paradigmático...) o capitalismo? O "quê" que se seguirá (ao paradigmático modelo) será o socialismo? Por obra e graça de quem? Ou com luta? E que luta? E de quem?

Ora paradigma para o modelo. Que pena que isto me faz!

7 comentários:

Anônimo disse...

-Gostava de ser do tamanhinho duma pulga, para poder esconder no sitio onde está "gente" os renegados, fala consigo próprios desabafam --como dorme esta gente? -A que lhes sabe o "pão da traição" que comem e dão a comer aos filhos...
Pensando bem; eu sei o que lhes vai na cabeça e de certeza não iria gostar de o confirmar.

samuel disse...

Tinhas razão... é um belo "colóquio"!
Mesmo sem o tema da crise, só os tiques, traumas e ódios dos tais, os "ex" de profissão, dava uma conferência inteira.
Pena que depois das perguntas da assistência, não possamos ir beber um copo...

Abraço

Maria disse...

O ex-jovem cam. foi meu professor, no CES. À época, tão convicto, dizia que lhe dava muito gozo dar aulas lá, a nós e a outros como nós.
Que pena ter atravessado a estrada fora da passadeira...

Anônimo disse...

O ressentimento, sempre o ressentimento.

Anônimo disse...

Pois é, o ressentimento. De quem para quem? Pela minha parte, muito sinceramente, ressentimento é sentimento que não conheço e má consciência também não. Lamento é que pessoas que já foram tão lutadoras (ou pareciam) hoje tenham aderido à moda das pantufas e a outras mais lucrativas.
Como diz a Maria, que pena terem atravessado a rua fora da passadeira. Porque a luta é difícil e todos não somos demais, com os olhos bem abertos, evidentemente.

Campaniça

Sérgio Ribeiro disse...

Ó anónimo da 1.42, a Campaniça já perguntou... mas eu insisto: ressentimento de quem e para com quem?
Só pena! Ele sabe, mostra que sabe, quer é embrulhar-se em palavras "paradigmáticas" e "modelares" porque não é - aliás, não é só ele - capaz de esquecer. Problema dele(s)...

Anônimo disse...

conheces "Globalização, a grande desilusão"-Joseph E. Stiglitz?

Eulália